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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Moises de Michelangelo - O profeta dos 10 mandamentos de Deus.





Moisés é uma das principais obras do artista renascentista Michelangelo. Conta-se que após terminar de esculpir a estátua de Moisés, Michelangelo passou por um momento de alucinação diante da beleza da escultura. Bateu com um martelo na estátua e começou a gritar: Porque não falas? (Perché non parli ?)


Segundo Ernest Fischer, no seu livro "A necessidade da arte" (capítulo II), esta obra não só personificava o ideal do homem do Renascimento ("a corporificação em pedra de uma nova personalidade consciente de si mesma"), como também se apresentava como um repto para que a sociedade de então encarnasse esse ideal - no fundo, o mesmo desejo de Moisés, ao trazer as tábuas da lei que deveriam reformar a sociedade do seu tempo.



Ao observar atentamente a estátua, pode-se verificar que Moisés possui um par de chifres acima os seus olhos, nascendo por baixo dos seus cabelos. Uma explicação para o sucedido poderá ser a tradução errada de karan em vez de keren que significa raios (de luz) em vez de cornos, feita por São Jerónimo para o latim.

A escultura está na igreja de San Pietro in Vincoli, Roma.


 

O Moisés de Michelangelo é mais outra colossal escultura criada pelo nosso grandioso artista.
Ele é uma das quarenta e duas esculturas criadas para compor o túmulo do papa Júlio II.

Moisés é outro personagem bíblico. É o legislador dos 10 mandamentos de Deus. Segundo a bíblia, Moisés subiu ao Monte Sinai para falar com Deus, orar pelo seu povo e dele recebeu as tábuas da lei contendo os mandamentos.

Por isso,Michelangelo retratou Moisés segurando em seus braços as tábuas da lei.
Diz a lenda que por parecer tão real esta escultura, Michelangelo ao terminar de esculpi-la bate com o cinzel nos joelhos dela e diz: "Agora Fale!"

 


Moisés é a mais instigante das esculturas de Michelangelo e mede 2,35 metros.

A postura do legislador hebreu retratada por Michelangelo instiga tanto que levanta suposições em estudiosos de artes e até mesmo no pai da psicanálise Sigmund Freud despertou inquietante atenção.
Freud dizia que sempre que ia para Roma visitava a escultura do profeta. Houve um tempo em que ele ia ver a imagem todos os dias a fim de analisá-la.

Alguns estudiosos dizem que Michelangelo retratou Moisés no momento em que ele desce do monte com as tábuas da lei nos braços e vê o povo adorando outro deus(o bezerro de ouro) e o choque da cena leva-o a quebrar as tábuas, e por isso o Moisés de Michelangelo tem o pé esquerdo levemente voltado na posição de quem estava prestes a se levantar.

De sua cabeça saem dois faixos de luz, que mais parecem ser dois chifres. Supõe-se que ao retratar Moisés com esta espécie de chifres na cabeça, Michelangelo tenha se baseado na tradução equivocada dos textos bíblicos do hebraico para o latim.

 
 
 

terça-feira, 25 de junho de 2013

A Capela Sistina (e sua saga)




A Capela Sistina deve seu nome ao Papa Sisto IV Della Rovere e foi inaugurada em 15 de agosto de 1483.O interior da capela consiste numa longa e única nave, cujas dimensões, 13,41m x 40,23m, correspondem as dimensões do Templo de Jerusalém. A divisão entre o presbitério e o corpo da capela, além das pinturas originais, são aspectos que atestam o desejo do Papa de criar uma versão renascentista das grandes basílicas romanas, sem entretanto deixar de lado a ligação da Igreja Católica com as tradições paleocristãs e medievais.

Capela Sistina – Visão Interna

Capela Sistina – Vista Externa
 
Em 10 de maio de 1508, Michelangelo começa o gigantesco trabalho de decoração da Capela, que lhe fora imposto pelo Papa Julio II, sobrinho de Sisto IV. A primeira atitude do artista é recusar o andaime construído especialmente para a obra por Bramante.
Determina que se faça outro, segundo suas próprias idéias.
Em segundo lugar, manda embora os pintores que lhe haviam sido dados como ajudantes e instrutores na técnica do afresco.
Terceiro, resolve pintar não só a cúpula da capela, mas também suas paredes.


Capela Sistina – Teto – Detalhe
 
Capela Sistina – Teto
 
O teto da Capela Sistina é um espaço de grande significado simbólico no Vaticano por ser onde se realizam as eleições papais. A Capela já era decorada com uma série de afrescos importantes nas paredes, e a tarefa de Michelangelo foi a de decorar o teto, pintado apenas de um azul pontilhado de estrelas.
Ainda sob o papado de Sisto IV, começaram as decorações das paredes. Pedro Perugino, Cosimo Roselli, Sandro Botticelli, Domenico Ghirlandaio, professor de Michelangelo, e Luca Signorelli pintaram quadros da vida de Moisés e de Jesus Cristo, além de uma série de Papas entre as janelas, seis no alto de cada parede lateral.
 
Afrescos
Afrescos inspirados em cenas do Velho e do Novo Testamento decoram as paredes laterais, assim como o teto. A Entrega das Chaves a São Pedro – Perugino

Precisamente, na parede esquerda, a partir do altar, estão as cenas do Velho Testamento a representar:
1 – Moisés a caminho do Egito e a circuncisão de seus filhos, obra de Pinturicchio;
2 – Cenas da Vida de Moisés, de Botticelli;
3 – Passagem do Mar Vermelho, de Cosimo Rosselli;
4 – Moisés no Monte Sinai e a Adoração do Bezerro de Ouro, de Rosselli;
5 – A Punição de Korah, Natan e Abiram, de Botticelli;
6 – A Morte de Moisés, de Lucas Signorelli.

Na parte direita, também a partir do altar, as cenas do Novo Testamento:
1 – O Batismo de Jesus, de Pinturicchio;
2 – Tentação de Cristo e a Purificação do Leproso, de Botticelli;
3 – Vocação dos Apóstolos, de Ghirlandaio;
4 – Sermão da Montanha, de Rosselli,
5 – A Entrega das Chaves a São Pedro, de Perugino;
6 – A Última Ceia, de Rosselli.

Entre as janelas, seis de cada lado, figuram 24 retratos de papas, pintados por Botticelli, Ghirlandaio e Fra Diamante. Rafael realizou uma série de tapeçarias que, em ocasiões especiais, vestem as paredes.
Capela Sistina – Parede Lateral
Michelangelo pintou a parte superior da parede onde ficam os janelões
 
A ideia inicial de Júlio II era de apenas doze grandes figuras dos Apóstolos, mas Michelangelo concebeu um conjunto de sete Apóstolos e mais as cinco sibilas da mitologia grecorromana, uma escolha bastante incomum mas não inteiramente inédita para um teto de capela.

Acrescentou ainda quarenta ancestrais de Cristo, uma longa série de cenas do Genesis, vários nus e outras figuras acessórias, compondo um grupo de trezentas figuras dividido em três grupos: a Criação da Terra por Deus, a Criação da Humanidade e sua queda e, por fim, a Humanidade representada por Noé.
Capela Sistina – Teto – Criação do Homem – Detalhe
As figuras exibem uma força e majestade sem precedentes na pintura ocidental. Todo o tom da obra é monumental, é grandiloquente sem ser puramente retórico, mas possuindo alta poesia, inaugurando uma forma inteiramente nova de representar o trágico, o heróico e o sublime, e também o movimento e o corpo humano.

 
Capela Sistina – Teto – Deus – Detalhe

Sua interpretação temática tem sido objeto de intenso debate desde o momento de sua apresentação pública, e muitos a tem comparado com um grande panorama da evolução humana dentro de um escopo cósmico, num entendimento do Antigo Testamento como uma preparação para a vinda de Cristo, ou como uma interpretação neoplatônica dos eventos bíblicos sob uma óptica de relacionamento Deus-Homem particularmente dramática.

Michelangelo anos mais tarde disse que a concepção da iconografia se devia a ele, mas para quem não tinha uma grande erudição nem sabia latim, a complexidade simbólica das cenas parece estar além de sua capacidade de conceituação. Hartt disse que tem sido sugerido que ele teve um conselheiro teológico na elaboração do programa temático do teto na pessoa de Marco Vigerio della Rovere, um franciscano parente do papa.

 As cenas são compostas sem relação espacial umas com as outras ou com as figuras laterais, e o painel não pode ser observado a partir de um único ponto de vista. É a fase do Michelangelo herói.
Tal como Prometeu, rouba ao Olimpo o fogo de sua genial inspiração, embora os abutres das vicissitudes humanas não deixem de acossá-lo. O trabalho avança muito lentamente. Por mais de um ano, o papa não lhe paga um centavo sequer. Sua família o atormenta com constantes pedidos de dinheiro. A substância frágil das paredes faz logo derreter as primeiras figuras que esboçara. Impaciente com a demora da obra, o papa constantemente vem perturbar-lhe a concentração para saber se o projeto frutificava.

O diálogo é sempre o mesmo:
- Quando estará pronta a minha capela?
- Quando eu puder!

Irritado, Júlio II faz toda a sorte de ameaças. Chega a agredir o artista a golpes de bengala, que tenta fugir de Roma. O papa pede desculpas e faz com que lhe seja entregue – por fim – a soma de 500 ducados. O artista retoma a tarefa. No dia de finados de 1512, Michelangelo retira os andaimes que encobriam a perspectiva total da obra e admite que o papa entre na capela. A decoração estava pronta.
A data dedicada aos mortos convinha bem a inauguração dessa pintura terrível, plena do Espírito do Deus que cria e que mata.

fonte: http://www.biografia.inf.br/

O Juízo Final (e infernal) de Michelangelo


Ficheiro:Rome Sistine Chapel 01.jpg
 Nada melhor que suas próprias idéias sobre pintura para definir essa obra e o homem que a criou:

“A boa pintura aproxima-se de Deus e une-se a Ele… Não é mais do que uma cópia das suas perfeições, uma sombra do seu pincel, sua música, sua melodia… Por isso não basta que o pintor seja um grande e hábil mestre de seu oficio. Penso ser mais importante a pureza e a santidade de sua vida, tanto quanto possível, a fim de que o Espírito Santo guie seus pensamentos…” Michelangelo


O Juízo Final é um afresco do pintor renascentista italiano Michelangelo Buonarroti medindo 13,7 m x 12,2 m, pintado na parede do altar da Capela Sistina. É, na visão do artista, uma representação do Juízo Final inspiradas na narrativa bíblica.

Nesta pintura, Michelangelo, que nascera no ano em que a capela foi construída, dedicou todo seu engenho e força de 1535 a 1541. Já havia travado um ardoroso combate com Júlio II durante o período de pintura do monumental Teto da Capela Sistina. Uma confrontação de dois espíritos fortes e audazes, sem dúvida. O trabalho fora encomendado pelo Papa Clemente VII, mas só com a morte deste teve início, já no pontificado de Paulo III, que ratificou o contrato.

O afresco ocupa inteiramente a parede atrás do altar. Para sua execução, duas janelas foram fechadas e algumas pinturas da época de Sisto IV apagadas: os primeiro retratos de Papas; a primeira cena da vida de Cristo e a primeira da vida de Moisés; uma imagem da Virgem da Assunção de Perugino, e as primeiras duas lunettes, onde o próprio Michelangelo havia pintado os ancestrais de Cristo.

A grandiosidade da personalidade do grande mestre se revela aqui, com toda sua potência, devido sobretudo à concepção e a força de realização da obra.


 
Aqui, Michelangelo não expressa vigorosamente o conceito de Justiça Divina, severa e implacável em relação aos condenados. O Cristo, parte central da composição, é o Juiz dos eleitos que sobem ao Céu por sua direita, enquanto os condenados, abaixo de sua esquerda, esperam Caronte e Minos.

A ressurreição dos mortos e os anjos tocando trombetas completam a composição.
 
O Juízo Final é um célebre afresco canônico, criado pelo renomado renascentista italiano Michelangelo, e está na parede do altar da Capela Sistina, no Vaticano. O trabalho precisou de quatro anos para ser concluído, começando em 1536 e sendo concluído em 1541, vinte anos após a conclusão do Teto da Capela Sistina. A obra é majestosa, com 13,7 metros de largura por 12,2 de altura, aproveita toda a parede que fica atrás do altar, e descreve a Segunda Vinda de Cristo e o Juízo Final, como narrado na Bíblia. As almas dos seres humanos ascendem ao Paraíso ou descem ao Inferno, dependendo de como são julgados por um Cristo cercado de santos importantes como Pedro, Catarina de Alexandria, Lourenço, Bartolomeu, Paulo e João Batista.


 
Esse afresco também é conhecido por toda a polêmica que causou, provocando longos debates entre os críticos da Contra-Reforma Católica e os que visualizaram a genialidade de Michelangelo e seu estilo maneirista. O artista foi acusado de ser extremamente insensível ao evento descrito, imprimindo um estilo muito pessoal e “inadequado” ao conteúdo da obra. O Concílio de Trento criou decretos expondo que tais “manipulações” de representações sacras não eram permitidas, e toda arte que tivesse essa característica era passível de censura e até destruição.
 Após o Mestre de Cerimônias do Papa, Biagio de Cesena, dizer que a pintura “era uma completa desgraça, por expor figuras despidas, provocando uma completa vergonha” e que não era uma obra para ficar numa capela, mas em “banheiros públicos e tavernas”, Michelangelo usou Minos, o Juíz do Submundo (no canto inferior direito da pintura) para fazer uma representação de Cesena, dando-lhe orelhas de burro, enquanto sua nudez foi coberta com uma cobra. Cesena reclamou com o Papa, que brincou dizendo que “sua jurisdição não se estendia até o Inferno, e que por isso nada podia fazer, e que a pintura continuaria na capela”.
A maioria das genitálias expostas foram cobertas após a morte de Michelangelo (1564), por Daniele da Volterra, outro artista maneirista, quando o Concílio de Trento condenou a nudez na arte sacra. O decreto dizia: “Toda superstição deverá ser removida. Toda lascividade deve ser evitada; de tal modo que as imagens não devem ser pintadas ou enfeitadas com referências à luxúria”. Além disso, nenhuma imagem sacra poderia ser exibida em público sem a autorização de um bispo.
Muitos teóricos acreditam que Michelangelo se retratou na pele esfolada de São Bartolomeu, demonstrando todo o desprezo que Michelangelo teria sentido ao ser contratado para pintar “O Juízo Final”. Apesar de ser uma teoria popular, a maior parte dos estudiosos da arte histórica refuta fortemente essa teoria.

Michelangelo costumava se desenhar de maneiras em que ele perdesse todo seu poder. Ele sempre foi um forte questionador sobre a morte, e do próprio Juízo Final, que é usado como uma das maiores referências de seu trabalho. Ao terminar o “Juízo Final”, Michelangelo já estava no fim dos seus 60 anos, e a pele descamada de Bartolomeu representaria o um renascimento. Também foi teorizado, que a figura de São Bartolomeu foi usada para descrever o escritor erótico e satírico Pietro Aretino, que tentou extorquir uma valiosa pintura de Michelangelo, mas essa teoria é amplamente refutada, pois esse conflito entre os dois não ocorreu até 1545, sete anos depois da conclusão de o “Juízo Final”.
O afresco foi restaurado junto com a abóbada da Capela Sistina entre os anos de 1980 e 1994, sob a supervisão de Frabrizio Mancinelli, curador do Museu do Vaticano. Durante o curso da restauração, foram removidas muitas censuras, expondo muitos detalhes da arte original de Michelangelo, que antes estavam escondidos sob fumaça por dezenas de anos.
Descobriu-se que a representação de Biagio de Cesena, como Minos e suas orelhas de burro, estava sendo atacada na genitália por uma cobra. Outra descoberta foi um indivíduo condenado ao Inferno, logo abaixo e à direita de São Bartolomeu, esse indivíduo por muito tempo foi tratado como masculino, mas após a remoção da folha de figo, descobriu-se que se tratava de uma figura feminina.
O foco principal da imensa composição é a figura de Cristo, que aparece no alto, no centro da parede, com um amplo espaço aberto abaixo.
Ficheiro:Michelangelo Buonarroti 004.jpg 
Capela Sistina – Juízo Universal – Detalhe – Cristo – Afresco – 1508
Sob o poder biblicamente intimidante de seu gesto, parece levantar-se um turbilhão que envolve por inteiro a cena celestial – santos e virgens, profetas, mártires, apóstolos. Podem ser identificados: São João Batista, na pele de camelo; São Pedro, com as chaves; Santo André, com uma cruz; São Lourenço, com a grelha; São Bartolomeu, segurando sua própria pele flácida na qual o artista pintou seu angustiante auto-retrato; São Simão, com a serra; São Basílio, com o pente para tratar a lã; Santa Catarina, com a roda; São Sebastião, com as flechas. O grande turbilhão poupa apenas a Virgem Maria, pintada em sua tristeza, e se estende para o alto e termina por circundar as cenas nas meias-luas – a “Exaltação da Cruz” e “Os instrumentos da Paixão”. Mais uma vez o gesto de Cristo representa a força gravitacional de um segundo turbilhão que se move violentamente para cima e para baixo criando um mar celestial no qual anjos e almas danadas, demônios e ressuscitados, parecem flutuar e se agitar. Colhidos no movimento estão também os eleitos – que sobem aos céus, do lado esquerdo – e as almas danadas – caindo do lado direito enquanto lutam em vão contra os anjos vingadores.

Capela Sistina – Juízo Final – A Salvação – Detalhe – Afresco – 1508
O “Juízo Universal”, por causa dos nus, quase foi destruído pela Inquisição. Os hipócritas da época decidiram chamar um pintor secundário, Daniel de Volterra, que teve a coragem de profanar uma obra prima. Volterra colocou roupas nos nus da pintura de Michelangelo e merecidamente, foi ridicularizado. Esta triste figura, junto com seus auxiliares, ficou conhecido na história como “Os Tapa Traseiros”.Embaixo, fora do turbilhão, há duas cenas separadas.No lado esquerdo a ressurreição dos mortos, que dolorosa e tortuosamente voltam à vida.




 

Capela Sistina – Juízo Universal – A Barca de Caronte – Detalhe – Afresco – 1508
No lado direito, Caronte e seu barco infernal resumem, no violento gesto do barqueiro e no anônimo amontoado de cadáveres, todo o desespero do inferno.
A Barca de Caronte
Os gregos e romanos da antiguidade acreditavam que essa era uma barca pequena na qual as almas faziam a travessia do Aqueronte, um rio de águas turbilhonantes que delimitava a região infernal. O nome desse rio veio de um dos filhos do Sol e da Terra, que por ter fornecido água aos titãs, inimigos de Zeus (Júpiter), foi por ele transformado em rio infernal. As suas águas negras e salobras corriam sob a terra em grande parte do seu percurso, donde o nome de rio do inferno, que também lhe davam. Caronte era um barqueiro velho e esquálido, mas forte e vigoroso, que tinha como função atravessar as almas dos mortos para o outro lado do rio. Porém, só transportava as dos que tinham tido seus corpos devidamente sepultados e cobrava pela travessia, daí o costume de se colocar uma moeda na boca dos defuntos. Segundo o mitólogo Thomas Bulfinch, ele “recebia em seu barco pessoas de todas as espécies, heróis magnânimos, jovens e virgens, tão numerosos quanto as folhas do outono ou os bandos de ave que voam para o sul quando se aproxima o inverno. Todos se aglomeravam querendo passar, ansiosos por chegarem à margem oposta, mas o severo barqueiro somente levava aqueles que escolhia, empurrando o restante para trás”.
Segundo a lenda, o barqueiro concordava apenas com o embarque das almas para as quais os vivos haviam celebrado as devidas cerimônias fúnebres, enquanto as demais, cujos corpos não haviam sido convenientemente sepultados, não podiam atravessar o rio, pois estavam condenadas a vagar pela margem do Aqueronte durante cem anos, para cima e para baixo, até que depois de decorrido esse tempo elas final-mente pudessem ser levadas.

Fontes:
http://www.casthalia.com.br/a_mansao/obras/michelangelo_juizo.htm
http://www.metodista.br/ppc/caminhando/caminhando-16/o-juizo-final-de-michelangelo
http://en.wikipedia.org/wiki/The_Last_Judgment_(Michelangelo)
http://www.biografia.inf.br/michelangelo-escultor-pintor-arquiteto.html#41

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Todos os caminhos levam a Florença e a seu Duomo

A Basílica di Santa Maria del Fiore é a catedral, ou Duomo, da Arquidiocese da Igreja Católica Romana de Florença. Notabilizada por sua monumental cúpula - obra do celebrado arquiteto renascentista Brunelleschi - e pelo campanário, de Giotto, é uma das obras da arte gótica e da primeira renascença italiana, considerada de fundamental importância para a História da Arquitetura, registro da riqueza e do poder da capital da Toscana nos séculos XIII e XIV. Seu nome (cuja tradução é Santa Maria da Flor) parece referir-se ao lilium, símbolo de Florença, mas, documento do Século XV, por outro lado, informa que “flor”, no caso, refere a Cristo. 

Ficheiro:Santa maria del fiore - retouched.jpg

    A monumental fachada de Santa Maria del Fiore,  Piazza Duomo, 17, Firenze, Toscana/Itália

História

O Duomo de Florença, como o vemos hoje, é o resultado de um trabalho que se estendeu por seis séculos. Seu projeto básico foi elaborado por Arnolfo di Cambio no final do século XIII, sua cúpula é obra de Filippo Brunelleschi, e sua fachada teve de esperar até o século XIX para ser concluída. Ao longo deste tempo uma série de intervenções estruturais e decorativas no exterior e interior enriqueceriam o monumento, dentre elas a construção de duas sacristias e a execução de esculturas e afrescos por Paolo Uccello, Andrea del Castagno, Giorgio Vasari e Federico Zuccari, autor do Juízo Final no interior da cúpula. Foi construída no lugar da antiga catedral dedicada a Santa Reparata, que funcionou durante nove séculos até ser demolida completamente em 1375.

Mino de Cantoribus sugeriu a substituição de Santa Reparata por uma catedral ainda maior e mais magnificente, de tal forma que "a indústria e o poder do homem não pudessem inventar ou mesmo tentar nada maior ou mais belo", e estava preparado para finaciar a construção. Entretanto, esperava-se que a população contribuísse, e todos os testamentos passaram a incluir uma cláusula de doação para as obras. O projeto foi confiado a Arnolfo em 1294, e ele cerimoniosamente lançou a pedra fundamental em 8 de setembro de 1296.

Arnolfo trabalhou na construção até 1302, ano de sua morte, e embora o estilo dominante da época fosse o gótico, seu projeto foi concebido com uma grandiosiddade clássica. Arnolfo só pôde trabalhar em duas capelas e na fachada, que ele teve tempo de completar e decorar só em parte. Com a morte do arquiteto o trabalho de construção sofreu uma parada. 

Um novo impulso foi dado quando em 1330 foi descoberto o corpo de São Zenóbio em Santa Reparata, que ainda estava parcialmente de pé. Giotto di Bondone então foi indicado supervisor em 1334, e mesmo que não tivesse muito tempo de vida (morreu em 1337) ele decidiu concentrar suas energias na construção do campanário. Giotto foi sucedido por Andrea Pisano até 1348, quando a peste reduziu a população da cidade de 90 mil para 45 mil habitantes.




O relógio de Uccello



Sob Francesco Talenti, supervisor entre 1349 e 1359, o campanário foi concluído e preparou-se um novo projeto para o Duomo, com a colaboração de Giovanni di Lapo Ghini: a nave central foi dividida em quatro espaços quadrangulares com duas alas retangulares, reduzindo o número de janelas planejadas por Arnolfo. Em 1370 a construção já estava bem adiantada, o mesmo se dando com o novo projeto para a abside, que foi circundada por tribunas que amplificaram o trifólio de Arnolfo. Por fim Santa Reparata terminou de ser demolida em 1375

Ao mesmo tempo continuou-se o trabalho de revestimento externo com mármores e decoração em torno das entradas laterais, a Porta dei Canonici (sul) e a Porta della Mandorla (norte), esta coroada com um relevo da Assunção, última obra de Nanni di Banco.
Contudo, o problema da cúpula ainda não fora resolvido. Brunelleschi fez seu primeiro projeto em 1402, mas o manteve em segredo. Em 1418, a Opera del Duomo, a centenária empresa administradora dos trabalhos na Catedral, anunciou um concurso que Brunelleschi haveria de vencer, mas o trabalho não iniciaria senão dois anos mais tarde, continuando até 1434

A Catedral foi consagrada pelo Papa Eugênio IV em 25 de março (o Ano Novo florentino) de 1436, 140 anos depois do início da construção. Os arremates que ainda esperavam conclusão eram a lanterna da cúpula (colocada em 1461) e o revestimento externo com mármores brancos de Carrara, verdes de Prato, e vermelhos de Siena, de acordo com o projeto original de Arnolfo.

A fachada

                         



A fachada original, desenhada por Arnolfo di Cambio, só foi começada em meados do século XV, realizada de fato por vários artistas em uma obra coletiva, mas de toda forma só foi terminada até o terço inferior. Esta parte foi desmantelada por ordem de Francesco I de Medici entre 1587 e 1588, pois era considerada totalmente fora de moda naquela altura. 

O concurso que foi aberto para a criação de uma nova fachada acabou em um escândalo, e os desenhos subseqüentes que foram apresentados não foram aceitos. A fachada ficou, então, despida até o século XIX, mas estatuária e ornamentos originais sobrevivem no Museu Opera del Duomo e em museus de Paris e Berlim.

Em 1864, Emilio de Fabris venceu um concurso para uma nova fachada, que é a que vemos hoje, um enorme e magistral trabalho de mosaico em mármores coloridos em estilo neogótico, com uma volumetria dinâmica e harmoniosa. Pronta em 1887, foi dedicada à Virgem Maria, e é ricamente adornada com estatuária de elegante e austero desenho. Em 1903 terminaram-se as monumentais portas de bronze, com várias cenas em relevo e outras decorações.

Interior


Sua planta é basilical, com três naves, divididas por grandes arcos suportados por colunas monumentais. Tem 153 metros de comprido por 38 metros de largo, e 90 metros no transepto. Seus arcos se elevam até 23 metros de altura, e o cume da cúpula, a 90 metros.
Suas decorações internas são austeras, e muitas se perderam no curso dos séculos. 

Alguns elementos acharam abrigo no Museu Opera del Duomo, como os coros de Luca della Robbia e Donatello. Subsistem também os monumentos a Dante, a John Hawkwood, a Niccolò da Tolentino, a Antonio d'Orso, e os bustos de Giotto (de Benedetto da Maiano), Brunelleschi (de Buggiano - 1447), Marsilio Ficino, e Antonio Squarcialupi.
  
                                                     Ficheiro:Florenca122.jpg
  
Sobre a porta de entrada há um relógio colossal com decoração em pintura de Paolo Uccello, e acertado de acordo com a hora italica, uma divisão do tempo comumente empregada na Itália até o século XVIII, que dava o por-do-sol como o início do dia.

Os vitrais são os maiores em seu gênero na Itália entre os séculos XIV e XV, com imagens de santos do Velho e Novo Testamento. O crucifixo é obra de Benedetto da Maiano, a talha do coro de Bartolommeo Bandinelli, e as portas da sacristia são de Luca della Robbia.




 

Ponto de encontro e núcleo central da cidade desde o século XIV, essa praça, dominada pelo Palazzo Vecchio, é um autêntico museu ao ar livre. Pode resumir sozinha a história de Florença. Primeiro abrigava os banhos romanos; depois se converteu no centros das reuniões da cidade e da revolução; e mais tarde, o lugar das comemorações.

Está rodeada por estátuas, entre elas a cópia de "David", de Michelangelo, sendo que a original se encontra na Galleria dell´Academia; e "Judith e Holoferne", de Donatello. 

Também imponente, a Fonte de Neptuno, obra de Bartolomeo Ammannati, pretendia destacar a vocação marítima de Florença. Mas acabou chamando mais atenção porque foi o primeiro nú exposto em praça pública.


Piazza della Signoria, Piazza della Signoria, centro da cidade de Firenze




"David", de Michelangelo, Galleria dell´Academia, Firenze- Toscana/Itália


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Davi, de Michelangelo: o corpo como Ideia


David. Michelangelo. (1501-1504) Florença.

David ou Davi é uma das esculturas mais famosas do artista renascentista Michelangelo. O trabalho retrata o herói bíblico com realismo anatômico impressionante, sendo considerada uma das mais importantes obras do Renascimento e do próprio autor. 

A escultura encontra-se em Florença, em Itália, cidade que originalmente encomendou a obra.É uma estátua em mármore e mede 5,17 m (cinco metros e dezessete centímetros). Devido à genialidade que sempre foi atribuída à obra, ela foi escolhida como símbolo máximo da República de Florença.


             

Havia em Florença um gigantesco bloco de mármore que havia sido esboçado por Agostino de Duccio, mas que foi abandonado antes de se transformar em escultura. Dois artistas disputavam a honra de esculpir o bloco para transformá-lo em uma obra de arte: Leonardo da Vinci e Andrea Sansovino. Mas seria Michelangelo quem ficaria responsável pela tarefa, devido à sua já consagrada fama de genial escultor por causa de seu Baco e de sua Pietà (esculpida aos vinte e três anos).

Michelangelo esculpiu Davi nesta enorme rocha de mármore, entre os anos de 1501-1504, como uma das mais belas representações do corpo humano da história da arte. A escultura, um colossal adolescente de mais de quatro metros e meio de altura, foi colocado no centro da cidade de Florença para admiração pública. A nudez do Davi acabou despertando a ira pudica dos Florentinos que várias vezes o apedrejaram. Aretino, que criticou a indecência e as liberdades anticlássicas do Juízo Final, pediu ao artista, em 1545, que cobrisse com folhas de parra em ouro as partes vergonhosas do seu belo colosso.

Se para os outros a escultura era uma imagem pagã, para Michelangelo tratava-se da mais perfeita forma criada por Deus: o corpo masculino. Como anotou Romain Rolland, "para este criador de formas admiráveis, que era simultaneamente um piedoso crente, um belo corpo era algo de divino ― um belo corpo era o próprio Deus surgindo sob o véu da carne".

Essa crença do artista na ideia de que é no corpo humano que a beleza divina melhor se manifesta é comprovada nos versos que Michelangelo dedicou a seu amante Cavaliere, quando diz que: "em nenhum lugar Deus se mostra mais a mim em sua graça do que em alguma bela forma humana; e só isso amo, pois nisso Ele se espelha".

Mais do que a simples representação de um adorável corpo adolescente nu, a obra de Michelangelo trazia para dentro de si as proposições máximas da estética e da filosofia do Renascimento. Superando o imperativo da Antiguidade da "semelhança com a natureza", contida na ideia de imitação, o que se pode ver é outra concepção, a de um triunfo da arte sobre a natureza, que se realiza graças à imaginação e à inteligência do artista que pode recriar a beleza absoluta que se acha incompleta no mundo natural, mas que está guardada perfeita na sua alma.

Para o Renascimento o grande escultor seria aquele que pela habilidade técnica produzisse o simulacro, a ilusão de que a vida habitava o mármore. A antiguidade clássica, que inspirava os renascentistas, baseava-se nessa proposição, e Virgilio, na Eneida, alude tipicamente a "bronzes que respiram suavemente e rostos vivos feitos de mármore".

Concepção essa típica também dos tratados artísticos da época de Michelangelo, como em Dürer: "E entende-se que um homem trabalhou bem quando consegue copiar com precisão uma figura de acordo com a vida, de modo que o seu desenho se assemelhe à figura e se pareça com a natureza. Sobretudo se a coisa for bela, a cópia será considerada artística e fará jus aos mais altos louvores".

Leonardo da Vinci e Leon Battista Alberti eram de parecer de que a representação perfeita dos sinais físicos da emoção e dos estados de espírito constituíam a tarefa máxima e mais difícil para o artista, pois, como registrou Leonardo, a figura mais admirável é aquela que por suas ações melhor exprime o espírito que a anima. O objetivo, então, era expressar as operações do espírito através da forma, sendo a arte o melhor lugar de sua tradução.

Segundo as premissas de Alberti, em seu tratado De pictura, o artista não deve apenas obter uma semelhança total do objeto que representa e sua natureza; deve ainda acrescentar-lhe a beleza. Para a realização dessa tarefa, a glória suprema do artista estaria em agrupar em si mesmo três qualidades: invenção, composição e execução. Desse ponto de vista, o Davi de Michelangelo satisfaz plenamente a teoria artística do Renascimento.
                                                         
Essa pragmática formal e estética, que implicava ainda em se seguir os princípios da proporção justa, da harmonia e do decoro, no entanto, deixava uma margem de liberdade ao artista, particularmente no momento em que trata tanto do movimento dos corpos quanto da alma. Segundo Alberti, a arte deve comunicar-se com o espectador no plano emotivo, convidando-o a participar das dores e prazeres das figuras representadas, e estimulando de alguma forma a sua simpatia ou imaginação. O pintor comove e persuade com a representação imóvel daquilo que as figuras da sua história fazem, pensam e sentem.

Nesse sentido, vale observar a narrativa inerente à própria escultura de Michelangelo que, diferente do que imaginava Buckhardt, que se mostrava incomodado com o contraste entre a fisionomia dramática do olhar e o corpo apolíneo do Davi, a extrema tensão fisionômica revela em si toda a ação dessa narrativa, que é transmitida pelos olhos que comunica a disponibilidade para ação. Trata-se de um primado da consciência sobre o corpo, de uma subordinação do potencial dinâmico da musculatura à temporalidade da consciência, que resume a própria ideia da escultura para Michelangelo, como representação física de uma ideia anterior, espiritual, captada pela consciência e fixada no corpo do mármore.

Leonardo da Vinci ficou impressionado com aquilo que chamou de "retórica muscular" do Davi. É no próprio corpo que está inscrita a história bíblica de Davi, nos seus detalhes musculares que representam a força e a consciência da sua vitória contra o inimigo.

Através da aparente calma emanada pela expressão de Davi, percebe-se a tensão interior pela postura do torso ligeiramente inclinado e pela cabeça voltada para o lado, oferecendo o perfil ao espectador. O herói bíblico não mostra sinais do combate vitorioso nem demonstra arrogância. Transmite, isto sim, uma força viril, que nasce da juventude e sustenta a beleza, o que a torna admirável.

O princípio ordenador da concepção artística de Michelangelo é a ideia de disegno, que, como diz Luiz Marques, mais do que uma atividade gráfica ou resultado dela, "tem acepções mais amplas e envolve noções como concepção projetual de uma figura, organização sintética da forma, em especial da forma do nu humano".

"O que o jovem Michelangelo estuda em Giotto é, claramente, seu disegno, vale dizer, uma síntese formal capaz de fornecer às artes visuais um denominador comum e uma premissa intelectual. Tendo Michelangelo ou Rafael por seu máximo expoente, o conceito de disegno permanece com a seiva mesma do legado do Renascimento, vale dizer, de uma concepção de arte fundamentada na precedência lógica e ontológica do pensamento sobre o gesto." (Luiz Marques)

O desenho é para o Renascimento o pai das três artes, escultura, pintura e arquitetura, conseguindo reunir todas as coisas da natureza num princípio único, seja uma forma ou uma ideia. Pode-se, portanto, concluir que o desenho nada mais é do que a criação de uma forma intuitivamente clara e correspondente ao conceito que o espírito contém e se representa, e do qual a ideia é de certo modo o produto.

Tal definição está de acordo com as concepções da "Academia platônica", segundo as quais as Ideias são realidades metafísicas: elas existem como verdadeiras substâncias, ao passo que as coisas terrestres são simplesmente suas imagens. São imanentes ao espírito de Deus e existem como modelos das coisas no espírito divino.

Segundo Pietro Bellori, os nobres pintores e escultores, imitando o primeiro Operário, formam igualmente em seus espíritos um modelo de beleza superior e, sem afastá-los dos olhos, emendam a natureza corrigindo suas cores e suas linhas.

Construída sob o controle absoluto dos meios e sobre a ideia do que seria a perfeição absoluta no reino metafísico, o Davi guarda, segundo Romaind Rolland, "uma força tumultuosa em repouso" tal qual exigia Alberti.

Michelangelo não esgota sua obra identificando imitação com semelhança. Ao contrário, tentará encontrar a beleza e a graça numa ideia de corpo que representa a superação dos exemplares particulares da natureza. Para ele, a beleza é o reflexo do divino no mundo real, pois, como afirmou em um de seus poemas "o que é imortal quer as coisas à sua semelhança. É esta, e não aquela, a que teus olhos se lança". Como apontou Panofsky, "as concepções artísticas do renascimento arrancam o objeto do mundo interior da representação subjetiva e o situam num 'mundo exterior' solidamente estabelecido".

Era o que pensava Ficino, que definia a beleza como a semelhança evidente dos corpos com as Ideias ou como o triunfo da razão divina sobre a matéria. E era crença de Michelangelo, ao compor seu Davi, que a figura humana é a forma particular em que ele encontra essa beleza divina mais claramente manifesta.

O escultor acreditava que a Ideia deve submeter a matéria, pois não há concetto que não possa ser expresso sob a forma da escultura. É o que fica claro no seu soneto escrito para Vittoria Colonna: "Não tem o ótimo artista conceito algum/ que mármore em si não encerre/ em sua matéria, e só àquele chega/ a mão que obedece ao intelecto".

Alberti preconiza que a obra de arte era a tradução de uma ideia de beleza que está longe de acontecer na natureza, precisando da imaginação do artista para concretizá-la de fato no mundo real. Michelangelo era quem realizava esse ideal, proclamando constantemente que a beleza terrestre é o "véu mortal" através do qual reconhecemos a graça divina, que só a amamos e devemos amá-la porque ela reflete o divino (assim como, inversamente, é o único meio de atingirmos a visão do divino) e que a contemplação da beleza dos corpos deve elevar a alturas celestes "o olhar sadio".

Desse ponto de vista, a divina proporzione não seria outra coisa que a imagem terrena das ideias metafísicas, imanentes ao espírito de Deus, que seriam transpostas para a imagem criada pelo artista. E o artista, como Prometeu, seria aquele que consegue arrancar a "scintilla della divinita" ao espírito divino, captando do intelecto de Deus o desenho interior das formas ideais e revelando-as ao homem na sua obra. O verbo se fazendo carne.

Seguindo um raciocínio platônico, Michelangelo atribuía um valor metafísico a esta capacidade de perceber em espírito a beleza que se traduziria posteriormente em obra de arte. A obra de arte seria a criação de uma forma que corresponda ao conceito que o espírito faz da ideia absoluta.

Esses caminhos são os de uma metafísica da arte que se empenha em deduzir a fenomenalidade da criação artística de um princípio supra-sensível e absoluto, ou, conforme expressão que utilizamos hoje de bom grado, de um principio cósmico.

A arte de Michelangelo fazia parte da mesma cultura humanística de Alberti, aquela que é a expressão visual de uma concepção harmoniosa da vida e do mundo que deleita e instrui todo aquele que com ela entra em contato. A obra de arte teria, por meio da beleza, a capacidade de elevar a mente do espectador "a uma contemplação da beleza divina e, consequentemente, à comunhão com Deus". Por sua capacidade de criar com a mesma maestria com que Deus criou o mundo, Michelangelo foi qualificado no seu próprio tempo como "o divino".

Para o escultor, existe uma beleza espiritual que transcende a beleza material e é a ela que se deve buscar na concretização de uma obra de arte: "Pois se minha alma não fosse criada igual a Deus, nada desejaria a não ser a beleza exterior, que agrada aos olhos; mas, já que esta é tão falaz, ela a transcende em direção à forma universal".

Esta consciência o coloca diante da matéria marmórea, investido de um poder de execução mais poderoso que o seu poder de conceber (concetto) e dar forma às promessas da sua imaginação. Davi será libertado de dentro do mármore, um herói que já sabe de sua vitória antes mesmo que o combate aconteça. De sua postura orgulhosa e seu olhar encolerizado, sem medo e seguro de sua força inumana, ele se ergue, protegido por sua coragem, no momento mais brilhante e belo da sua vida de adolescente e homem, de herói que a glória de sua missão consagra.

Michelangelo não copia a Antiguidade, ele a recria, a reinventa na sua modernidade de homem renascentista. O herói cristão é também um herói grego, uma espécie de Hércules ou Teseu diante do Minotauro. Concentrado em sua audácia que o levará, brevemente, à ação, ele tem força, ira concentrada e poder de antever o resultado de seu ato. Encarna em si o preparo do guerreiro grego e as virtudes da Renascença. Momento em que o nu transfere seu significado da esfera física para a esfera moral.
A sede do triunfo irradia-se pela escultura. Os seus mínimos gestos não traem seu pensamento secreto da certeza da vitória? A massa de músculos prepara-se para agir, enquanto o gesto das mãos traduz a coragem tranquila e o olhar indica a decisão orgulhosa. O tensionamento de um lado do corpo e o relaxamento do outro cria o contraste entre força e segurança. O peso repousa sobre a perna direita e o movimento da esquerda responde ao do braço esquerdo erguido. O lado esquerdo é todo liberdade, enquanto o direito parece conter em si a força em potência. Haveria aqui a sobrevivência da crença medieval, que atribuía ao lado direito do corpo o privilégio da proteção divina, enquanto o esquerdo era dominado pelo mal?

Davi é um herói desarmado, sem espadas, sem vestimentas, sem armaduras. Michelangelo concentrou-se na potência muscular, na força moral do olhar. Não há nada de pitoresco nessa imagem, nada que distraia o espectador da beleza pura. Para o conceito de arte clássica, a unidade orgânica do corpo é o modelo da própria unidade artística. No texto de Alberti: "o corpo humano não é apenas o suporte privilegiado da verdade ou da expressão das paixões: é o alicerce, a medida e o modelo da unidade da representação em seu conjunto".

O seu triunfo irradia-se por todo o corpo, como uma energia latente que dilata os músculos e incha as veias tão visíveis. Foram "os gregos que descobriram no nu a possibilidade de personificação da energia, (...) desde tempos homéricos, os deuses e heróis da Grécia exibiam orgulhosamente a sua energia física".

O sentido da vida é inferido na observação dos músculos, local de sua presença máxima. A vida que não se deixa afrouxar apenas por ser pedra. A vitalidade dos volumes está por toda parte, coxas, braços, peito, nádegas, ombros, rosto. Michelangelo revelou a ideia para a arte de que o tema mais elevado era constituído pelo nu masculino, fisicamente perfeito, e executado de tal forma que o corpo humano pudesse transmitir através de sua aparição um movimento de energia transbordante de vida. Mais tarde, William Blake, um aficionado pelo escultor, diria que "a energia é a eterna delícia".

Comentando o sentido dos nus de Michelangelo, Keneth Clark diz: "Qualquer que fosse a sua intenção explícita, é evidente que Michelangelo os interpretava como mediadores entre o mundo físico e o espiritual. A sua beleza física é uma imagem da perfeição divina. Os seus movimentos atentos e vigorosos são uma expressão da energia divina. Os belos corpos de jovens, segundo as fórmulas do idealismo grego, encontravam-se tão sobrecarregados de valores espirituais que puderam entrar ao serviço da cristandade".

A beleza do corpo despido de Davi revela o profundo conhecimento que o escultor tinha de anatomia, conhecimento este assimilado e subordinado a um ideal espiritual. Por isso a energia, embora latente, mostra-se contida, como diz Walter Pater, ao definir o que seria a principal característica de Michelangelo: "delicadeza y fuerza, que causan placer y asombro; energia de concepción que parece a cada momento romper todas las cualidades de forma graciosa, pero que recobra luego toque a toque um encanto que, por lo general, sólo se halla em las cosas naturales más sencillas ― ex forti dulcedo".

Segundo disse John A. Symonds: "No Davi Michelangelo mostrou pela primeira vez aquela qualidade de terribilità, de enorme força apavorante, pela qual posteriormente se tornou célebre".

Demais, sabemos do tema neoplatônico da persistência da Ideia como manifestação metafísica, provinda do tratado de Alberti sobre a pintura, que estará sempre presente na poesia do escultor. Em Michelangelo, o amor ao corpo é o amor ao espiritual, aquilo que não se apaga com o tempo e leva a mente à contemplação do divino. Davi, embora represente o corpo humano, escapa de sua realidade corpórea, transmitindo diretamente uma ideia pura. A natureza do corpo criada pela essência do espírito.





artigo de: Jardel Dias Cavalcanti

retirado de: http://www.digestivocultural.com/