“CAPITÃES DA AREIA”, JORGE AMADO:
Jorge Amado pertence a uma geração de escritores comumente conhecida como “regionalista”. A principal característica de estilo dessa geração foi a de contrapor uma linguagem mais espontânea, coloquial, popular, à linguagem rara, escolhida, herdeira dos vícios parnasianos e representativa da classe social dominante.
O autor de “Capitães da areia” não foge à regra. Seu estilo prima pela espontaneidade, que é atingida graças à fuga da sintaxe de origem portuguesa e à imposição de uma sintaxe “brasileira”, por assim dizer.
A obra “Capitães da areia” transforma-se, assim, uma exposição de linguagens populares, onde o escritor consegue registrar com maestria as falas de diferentes camadas sociais, como se poderá verificar nos exemplos abaixo:
- Tu quer esse Deus Menino para tu? – perguntou ele de repente. (p. 175)
- Tu não vai hoje ao Gantois? Vai ser uma batida daquelas. Um fandango de primeira. É festa de Omolu.
- Muita bóia? E aluá?
- Se tem... mirou Pedro Bala. – Por que tu não vai, branco? Omolu não é só santo de negro. É santo dos pobres todos. (p. 79)
No primeiro caso, há uma evidente infração à norma culta no que se refere à concordância entre o sujeito e o verbo, além da utilização do pronome do caso reto como se fosse oblíquo; no segundo caso, além da infração linguística tangente à concordância, chama-nos a atenção também a incorporação de termos populares como “fandango” e “aluá”, este de origem quimbunda (língua africana) e aquele do espanhol, mas já assimilado pelo brasileiro, principalmente o das classes mais humildes.
Outra marca estilística típica de Jorge Amado é a sem-cerimônia com que se utiliza de termos chulos, frequentemente extirpados da língua oficial ou ocultados por meio da linguagem eufemística:
[...] Boa-Vida ficou espiando os peitos da negra, enquanto descascava uma laranja que apanhara no tabuleiro.
- Tu ainda tem uma peitama bem boa, hein, tia? (p. 75)
- Quem tirou teu cabaço?
- Ora, me deixe... – respondeu pederasta rindo. (p. 96)
Mas essa “popularização” da linguagem não se dá somente no plano dos diálogos, porquanto o narrador também assimila um modo de falar mais natural, mais simples. E isso é conseguido, por exemplo, com o uso sistemático da frase curta, incisiva, econômica:
Em torno é a paz da noite. Nos olhos mortos de Dora, olho de mães, de irmã, de noiva e de esposa, há uma grande paz. Alguns meninos choram. Volta Seca e João Grande vão levar o corpo. Mas, parado ante ele, está Pedro Bala, imóvel. Volta Seca não pode estender as mãos. João Grande chora como uma mulher. [...] (p. 212)
Outro recurso de que se serve Jorge Amado para conseguir um efeito natural, espontâneo, é a repetição de uma palavra ou expressão, ao longo de um parágrafo, que acaba por ter um surpreendente efeito plástico, musical:
A revolução chama Pedro Bala como Deus chamava Pirulito nas noites do trapiche. É uma voz poderosa dentro dele, poderosa como a voz do mar, como a voz do vento, tão poderosa como uma voz sem comparação. Como a voz de um negro que canta num saveiro o samba que Boa-Vida fez:
Companheiros, chegou a hora...
A voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz bater seu coração. Ajudar a mudar o destino de todos os pobres. Uma voz que atravessa a cidade, que parece vir dos atabaques que ressoam nas macumbas da religião ilegal dos negros. Uma voz que vem com o ruído dos bondes, onde vão os condutores e motorneiros grevistas. Uma voz que vem do cais, do peito dos estivadores, de João de Adão, de seu pai morrendo num comício, dos marinheiros dos navios, dos saveiristas e dos canoeiros. Uma voz que vem do grupo que joga a luta da capoeira, que vem dos golpes que o Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem mesmo do padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados diante do destino terrível dos Capitães da Areia. Uma voz que vem das filhas-de-santo do candomblé de Don’Aninha, na noite que a polícia levou Ogum. Voz que vem do trapiche dos Capitães da Areia. Que vem do reformatório e do orfanato. Que vem do ódio do Sem-Pernas se atirando do elevador para não se entregar: Que vem no trem da Leste Brasileira, através do sertão, do grupo de Lampião pedindo justiça para os sertanejos. Que vem de Alberto, o estudante pedindo escolas e liberdade para a cultura. Que vem dos quadros de Professor, onde meninos esfarrapados lutam naquela exposição da rua Chile. Que vem de Boa-Vida e dos malandros da cidade, do bojo dos seus violões, dos sambas tristes que eles cantam. Uma voz que vem de todos os pobres, do peito de todos os pobres. Uma voz que diz uma palavra bonita de solidariedade, de amizade: companheiro. [...] (p. 252-3)
A palavra “voz” reiterada várias vezes no texto é que serve para fundir diferentes consciências que integram o mundo de Pedro Bala. Para sugerir uma sinfonia de vozes que chama a personagem para cumprir seu destino, Jorge Amado serve-se da repetição do termo, mas procurando dar-lhe diferentes inflexões. Esse recurso pode também conseguir um efeito contrário ao da exaltação, servindo para reforçar uma ideia de negatividade:
A vitalina o espera para o amor. Está como uma esposa a quem o marido abandonasse. Chora e se lastima. Seu amor não vem, ela também precisa de amor; como todas essas moças que passam de vestidos bonitos na rua. Mas o roubo a enfurece. Porque pensa que Sem-Pernas só a amou nas noites longas de vícios para a furtar. Sua sede de amor é humilhada. É como se houvessem cuspido na sua cara, dizendo que era por causa da sua feiúra. Chora, não geme mais uma canção de amor. Se sente com coragem para estrangular o Sem-Pernas se o encontrasse. Porque burlaram do seu amor, da sede de amor que está no seu sangue. A sua desgraça é mais completa porque durante uma semana foi plenamente feliz com as migalhas de amor. Rola no chão com um ataque. (p. 228)
Aqui se salienta a repetição da palavra amor – desse modo, o vocábulo que tem um sentido positivo passa a ter um sentido negativo dentro do contexto. A sua repetição só faz acentuar o seu contrário, a ausência de um bem inestimável.Mas, no trecho citado, outra peculiaridade do estilo de Jorge Amado nos chama a atenção: o uso do verbo no presente do indicativo que serve para criar cenas de maior força dramática, porque o fluxo narrativo repentinamente se interrompe para o registro da intimidade das personagens. Infere-se desses traços do estilo de Jorge Amado, além da tentativa de registro da linguagem popular, a busca da poeticidade, como se o escritor, mais do que se simplesmente documentar um caso social, procurasse transmitir ao leitor uma aproximação afetiva com a terra baiana. São frequentes os momentos em que o narrador interrompe a narrativa para falar da cidade misteriosa que ama ou mesmo da natureza:
[...] Os sinos já não tocam as ave-marias que às seis horas há muito que passaram. E o céu está cheio de estrelas, se bem a lua não tenha surgido nesta noite clara. [...] (p. 22)
Nem parecia um meio-dia de inverno. O sol deixava cair sobre as ruas uma claridade macia, que não queimava, mas cujo calor acariciava como a mão de uma mulher. No jardim próximo, as flores desabrochavam em cores. Margaridas e onze-horas, rosas e cravos, dálias e violetas. Parecia haver na rua um perfume bom, muito sutil, [...] (p. 100)
As imagens poéticas sempre presentes evitam a simples e objetiva descrição de um mero cenário, porque elas acabam por humanizá-lo. Com o recurso do lírico, Jorge Amado consegue realizar a plena interação entre o mundo das personagens e o espaço em que elas vivem. Com isto, ele altera o sentido de propriedade: são os pobres, os deserdados da sorte que possuem a cidade mágica da Bahia, porque só eles é que são capazes de admirar sua beleza secreta, seus mistérios e responder à sua voz, ao passo que, para as classes elevadas, a cidade não passa de um espaço físico, frio e desumanizado, onde exercem seu falso domínio.
“VIDAS SECAS”, GRACILIANO RAMOS:
“Estão presentes a correção de escrita e a suprema expressividade da linguagem, assim como a secura da visão de mundo e o acentuado pessimismo, tudo marcado pela ausência de qualquer chantagem sentimental ou estilística. (...) E o de encher linguiça é um dos motivos de sua eminência, de escritor que só dizia o essencial e, quanto ao resto, preferia o silêncio (...) Entre o nada primordial anterior ao texto, e o risco de acabar em nada devido à insatisfação posterior, se equilibra a sua obra essencial, uma das poucas em nossa literatura que parece melhor com a passagem do tempo, porque mais válida à medida que a lemos de novo”, afirma Antônio Cândido.
A obra de Graciliano Ramos destoa dos outros modernistas por criar um estilo próprio: uma linguagem direta, concisa e de economia vocabular, onde o “herói” é problemático e o regionalismo da paisagem, só é relevante na medida em que interage com o psicológico.
Outra característica marcante é a falta de diálogo entre os membros da família. O narrador substitui os diálogos, por pensamentos que ocupa o lugar da personagem, seja ele humano ou animal, mesmo assim, se utiliza de expressões regionais, adequando-os à sintaxe tradicional. A ausência de diálogos se faz presente devido a uma ausência vocabular por parte das personagens, que se comunicam através de onomatopéias, exclamações, resmungos e gestos, enfatizando a animalização das personagens e a solidão, marcante da vida de todos os membros da família, que são marginalizados também pelo fator linguístico.
Há, portanto, a predominância do discurso indireto livre através de monólogos interiores em que o narrador ordena logicamente os pensamentos das personagens.
Deste modo, a tradição do regionalismo dá um tom caricatural à linguagem culta de um pretenso personagem que por sua condição jamais poderia possuir.
A linguagem empregada é próxima do coloquial. O uso constante de expressões próprias do cotidiano nordestino dá uma maior verossimilhança à estória, transportando o leitor para o universo criado pela obra.
Como recurso expressivo predomina as prosopopéias e as metáforas. As questões linguísticas levantadas ao longo da obra dão uma ideia clara do drama das personagens, isolados, confinados a um grupo reduzido de pessoas em virtude da precária comunicação.
“Linguagem: o uso da palavra articulada (na voz) ou escrita como meio de expressão e de comunicação entre pessoas” (Aurélio: 2001, 35). Eis nestas duas definições o argumento que nos permite afirmar que os indivíduos retratados nos romances em análise “não possuem linguagem” e estão sempre envoltos numa conflituosa busca pela mesma. Se a interação entre interlocutores é o princípio fundador da linguagem, é evidente que no mundo de “Vidas Secas” não há condições para tal realização, portanto, essa linguagem não se desenvolveria, visto que presenciamos indivíduos calados por natureza, reinando entre os mesmos uma comunicação rudimentar, muitas vezes metaforizando a linguagem de animais, entes rudes, mergulhados num silêncio constante, que só se permitiam o diálogo em situações extremas e ainda assim, de forma muito grotesca:
“Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. (Vidas Secas: 2004, 11)”. “[Fabiano] Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais. (...) E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro [cavalo] entendia”. (Vidas Secas: 2004,19).
Nestes trechos assinalam a prova de que as situações, instituições e ambientes, como escola, família e seca (que pressupõe fome), não constituem condições propensas ao desenvolvimento da fala, dos discursos. A escola cala, a família cala, a seca cala. O silêncio é o todo poderoso, só ele reina, absoluto.
É perceptível no decorrer da leitura de “Vidas Secas”, a existência de sujeitos de certa forma insatisfeitos com a situação de obscuridade em que viviam. O uso reforça o mergulho no mundo interior, no universo mental fragmentado das personagens. Os questionamentos são inevitáveis: Fabiano admira a inteligência de seu Tomás da Bolandeira, queria ser como ele, ter habilidade com as palavras. Sem dúvida algo lhes faltava, e é com Lacan (1988, 45) que chegamos a essa conclusão, visto que já dizia o autor:
“A existência humana está determinada pela busca inconsciente de um “objeto absoluto”, cuja falta nos priva da sensação de plenitude supostamente experimentada num período de pré-consciência”.
Ora, Fabiano, Sinhá Vitória, O Menino Mais Velho, O Menino Mais Novo, seres “ensimesmados”, semimudos, fechados na ignorância e no analfabetismo, vivem de ruminar o mundo incompreensível a sua volta, as palavras sem sentido. De certa forma empreendem uma conflituosa busca por uma linguagem (o objeto de desejo), intuindo que somente o domínio desta pode levá-los a compreender a natureza hostil e a enfrentar de modo menos desigual na luta diária com os falantes da cidade, o patrão, a autoridade injusta do soldado.
Ainda segundo Lacan, é como linguagem que o inconsciente se estrutura. A busca pelo objeto (linguagem) seria inevitável, visto que, pressupõe a consciência de uma “falta”, no mínimo incômoda para os que a experimentam. Advém desta concepção, refletir que: a busca por algo, quase sempre implica tropeços, desencontros e frustrações inevitáveis. Para qualquer tentativa de realização, cabe ao ser humano ter consciência da necessidade de enfrentar grandes obstáculos e ainda trabalhar com a hipótese de não concretização de seus desejos. É neste ponto que caminhamos com Freud, que nos obriga a repensar à questão da satisfação da pulsão, que muitas vezes pode desembocar numa sublimação.
“Como defesa contra o sofrimento decorrente da não saciedade das pulsões, a sublimação é das mais eficientes, além de ser extremamente flexível de possibilitar satisfações substitutas” (FREUD:1980,153).
Mas, se em “Vidas Secas” o inconsciente busca pela linguagem e esta busca é conflituosa, pois as condições são nada favoráveis, o caminho é cheio de “pedras”, implica-se a necessidade de substituição do objeto absoluto de desejo por outro, mesmo que esse não ofereça satisfação plena, como ocorre com Sinhá Vitória. Aquela dispensa horas de seus dias, sonhos de suas noites, avultando a possibilidade de adquirir uma cama mais confortável do que a que possuía.
Essa linguagem minimalista utilizada por Graciliano também é predominante em sua descrição do ambiente e de suas personagens:
"As vestes, as falas e o espaço onde estão inseridos são descritos com quase nenhum detalhe que prenda a atenção do leitor. O mais interessante é reservado para seus pensamentos, sempre evocados pela narrativa de Graciliano."
As frases curtas; a pontuação precisa; o uso do futuro do pretérito nas passagens em que o discurso indireto livre permite que sejam expressos os sonhos das personagens; a inexistência de diálogos; a abundância de interjeições; exclamações; sons onomatopaicos, substituindo a fala das personagens e mostrando-lhes a animalidade constituem alguns dos elementos enriquecedores da obra. Além da dimensão visual e sonora explorada na descrição da natureza. A linguagem é constituída basicamente por monólogo interior e a personagem dialógica é construída por um processo de comunicação interativa.
A personagem Fabiano, segundo Bakhtin - trava um conflito interior, questionando-se sobre sua identidade e sua atuação no mundo. Um aspecto da personagem dialógica, porque, para Bakhtin, onde começa a consciência inicia-se o diálogo. Além disso, Fabiano não é um intérprete do autor, tem independência e liberdade para expor suas opiniões e para tomar decisões. Assim, para realizar a construção da autoconsciência de Fabiano, o narrador se pauta pelo discurso indireto livre marcando a diferença tonal entre o ponto de vista do narrador, detentor da palavra, e o da personagem, que não a possui, ressoando duas vozes: a de Fabiano e a do narrador que tecem relações dialógicas entre si ora por consonância, ora por dissonância, fazendo de “Vidas Secas” um verdadeiro espetáculo plurilingue.
“AUTO DA BARCA DO INFERNO”, GIL VICENTE:
Obra dramática composta em oitavas com versos redondilhos, obedecendo às rimas: ABBAACCA.
O texto foi escrito em português de seu tempo, utilizando-se da oralidade e do dialeto saiaguês, e o castelhano.
Há registro de hábitos linguísticos; ditos populares e expressões típicas de cada classe social; com linguagem poética; efeitos cômicos e elaboração textual.
Surgem ao longo do Auto três tipos de cômico: o de caráter, o de situação e o de linguagem. O cômico de caráter é aquele que é demonstrado pela personalidade da personagem, de que é exemplo o Parvo, que devido à sua pobreza de espírito não mede as suas palavras, não podendo ser responsabilizado pelos seus erros. O cômico de situação é o criado à volta de certa situação, de que é bom exemplo a cena do Fidalgo, em que este é gozado pelo Diabo, e o seu orgulho é pisado. Por fim, o cômico de linguagem é aquele que é proferido por certa personagem, de que são bons exemplos as falas do Diabo.
“MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS”, MANOEL ANTÔNIO DE ALMEIDA:
Nas Memórias, a linguagem se constitui num aspecto essencial que, a sua maneira, reforça a tese de que esse romance se inscreve na contramão do Romantismo brasileiro.
Marcada pelo uso de coloquialismo, direta e sintaxe próxima da linguagem cotidiana e amparada no olhar jornalístico do autor, aproxima-se da língua falada na época, um tom humorístico que, ao apoiar-se na oralidade, contribui para configurá-lo enquanto um dos precursores do moderno romance brasileiro.
“O CORTIÇO”, ALUÍSIO DE AZEVEDO:
A língua de Azevedo, em sua plurivalência de nacionalidades, mostra como o francês, o italiano, o português de Portugal, o falar do cortiço e o falar dos salões mesclam-se constituindo conjuntos que integralizam a língua brasileira num sentido mais amplo.
Sua língua é mestiça como suas personagens e se espalha pelo simples e pelo complexo.
A ideologia que configurou o romance “O Cortiço” se voltava para o receptor. Sua produção tinha um endereço certo: o jornal, o teatro e uma grande massa de leitores.
Dentro de uma concepção teórica para compreender a teoria e a prática do romance no Brasil, Aluísio teria praticado em relação à série social uma narrativa contra-ideológica, apontando as falhas do sistema ao denunciar a exploração dos cortiços (alguns dos quais pertencentes ao Conde D’Eu). Em relação à série literária, sua obra é ideológica quando cumpre à risca os preceitos naturalistas seguindo de perto o modelo europeu. Trabalhou com modelos conscientes, predominantemente, realizando uma narrativa da transparência interessada no espaço real e na diversidade linguística.
“A CIDADE E AS SERRAS”, EÇA DE QUEIRÓZ:
Eça de Queiróz é considerado um autor da “modernidade” por sua maestria de combinação de palavras.
Utilizou de uma linguagem descritiva, elaborada e minuciosa e conseguiu o perfeito equilíbrio para dar expressividade e dinâmica ao texto através do uso da caricatura, do discurso indireto livre, da musicalidade etc. Segue alguns recursos utilizados pelo autor:
HIPÁLAGE ou deslocamento do adjetivo do termo próprio para outro termo próximo.
Ex.: “fila atroante dos ônibus” (em vez de “fila dos ônibus atroantes”; “puída tristeza do tapete” (em vez de “tristeza do tapete puído”); “a erudita nave da biblioteca” (em vez de “nave da biblioteca erudita).
ADJETIVO ABSTRATO APLICADO A UM SUBSTANTIVO CONCRETO OU VICE-VERSA:
Ex.: “silêncio enrugado”; “nariz agudo e triste”; “elogios finamente torneados”.
ADJETIVOS DESCRITIVOS IRÔNICOS, ÁS VEZES EM OXÍMOROS (antíteses em que um termo nega ou contradiz o outro), utilizados para denunciar um comportamento encoberto da personagem.
Ex.: “atribuía a Jacinto, com astuta candura, todas aquelas invenções do Saber” (astuta = esperta nega a sinceridade da candura =ingenuidade); “ela mostrava seu lindo espanto” (lindo indicando o espanto afetado, fingido, charme).
ASSOCIAÇÃO DE OBJETIVO E SUBJETIVO:
Ex.: “inverno escuro e pessimista”; “o sol e a eletricidade vertiam luz estudiosa e calma”.
TRANSFORMAÇÃO DO ADJETIVO EM ADVÉRBIO:
Ex.: “velhos gordos, de casaco escarlate, pedalavam gordamente” (o advérbio em que se transformou o adjetivo não o substitui, mas o reforça com grande acréscimo o efeito cômico).
EMPREGO METAFÓRICO DO ADVÉRBIO:
Ex.: “outra portentosa rima de volumes...que trepavam montanhosamente até aos últimos vidros” (advérbio neológico, funciona como metáfora ou comparação a “trepavam como montanhas”.
“DOM CASMURRO”, MACHADO DE ASSIS:
A linguagem de Machado de Assis é marcadamente acadêmica, clássica, bem cuidada e regida pelas normas de correção gramatical.
O autor prima pelo equilíbrio, pela concisão, pela economia vocabular medida por uma narrativa lenta, onde todo detalhe é significativo na composição do seu ritmo interior do quadro psicológico. Entretanto, em alguns pontos, tal como ocorre no Modernismo, ele registra aspectos típicos da língua da personagem.
O autor esteve acima dos modismos da época. Enquanto Gustave Flaubert, pai do Realismo, defendia a superioridade do “romance que se narra a si mesmo”, ocultando por completo a figura do narrador, Machado subverte essa regra, intrometendo-se na narrativa para comentar com o leitor a própria escritura do romance, fazendo-o participar de sua construção; ou ainda, para dialogar sobre uma personagem; refletir sobre um episódio do enredo ou tecer suas digressões sobre os mais variados assuntos, tornando-se visível na narrativa.
Machado assume a posição de quem escreve e ao mesmo tempo se vê escrevendo. Esses comentários à margem da narração constituem o principal interesse, pois neles está a mensagem artística do escritor.
Outro aspecto interessante é o uso frequente de alusões, referências e citações que relevam ideias e pensamentos, revelando a cultura e a erudição de Machado de Assis, adquiridas de forma autodidata, nas leituras de Shakespeare, Dante Alighieri, Cervantes e Goethe, além do, “sprit” de Voltaire e do refinado “sense of humor” dos autores ingleses como Sterne e Swift.
A ficção machadiana parte do aproveitamento da frase sentenciosa, proverbial e dos arquétipos que remontam à tradição clássica e aos textos bíblicos utilizando-se de imagens psíquicas do inconsciente coletivo que representa o patrimônio coletivo de toda a humanidade.
“IRACEMA”, JOSÉ DE ALENCAR:
“Em um desses volveres do espírito à obra começada, lembrou-me de fazer uma experiência em prosa”.
“Iracema” trata-se de um poema em prosa ou prosa poética com estilo figurado, ritmo encantatório, musical e riqueza imagética.
As frases têm um ritmo ondulatório, profunda densidade poética e a poetização da prosa invadem a ação, fundindo o mito e o cenário natural, explorando a harmonia entre a natureza paradisíaca (agrestes e pitorescas), a poesia e as figuras do mito.
Baseando-se em fontes clássicas da língua e no sabor arcaizante, a linguagem de “Iracema” é predominantemente conativa e a sucessão de imagens leva o leitor decodificar para aprender o significado do texto.
O autor utilizou-se de termos indígenas e de recursos variados de frase poética: aliteração; símiles (comparações explícitas); dípticos (formas ampliadas dos símiles); imagens cromáticas; metáforas; prosopopéia; metonímia etc
Os três primeiros parágrafos possuem musicalidade, as vogais e os ditongos são de timbre aberto e o colorido do texto pode ser disposto como versos de um poema tradicional:
Verdes mares bravios, (6)
de minha terra natal, (7)
onde canta a jandaia (6)
nas frondes da carnaúba; (7)
Verdes mares, que brilhais (7)
Como líquida esmeralda (7)
Aos raios do sol nascente, (7)
Perlongando as alvas praias (7)
Ensombradas de coqueiros; (7)
Serenai, verdes mares, (6)
E alisai docemente (6)
A vaga impetuosa, (6)
Para que o barco aventureiro manso (10)
Resvale à flor das águas. (6)
“ANTOLOGIA POÉTICA”, VINICIUS DE MORAES:
A primeira fase da poesia de Vinícius, a exemplo de outros poetas de sua geração, é marcada pela preocupação religiosa, pela angústia existencial diante da condição humana e pelo desejo de superar, por meio da transcendência mística, as sensações do pecado, culpa e o desconsolo que a vida terrena lhe oferecia. Os poemas dessa fase geralmente são longos; com versos também longos; em linguagem abstrata; alegórica; declamatória; solene; altissonante; “versos parágrafos” que se desdobram em largos movimentos; adjetivação farta e tendência para enumeração.
A transição do sublime ao cotidiano a partir de Novos poemas, de 1938, observa-se um novo tom poético: linguagem eclética, incorporação as conquistas da geração de 22; substituição da linguagem solene (pedante) por uma linguagem mais coloquial, enxuta mais simples e direta; espontaneidade; jogos verbais; estilo engenhoso; poder de síntese e concisão. O poeta mescla formas fixas tradicionais (soneto) com verso curto e livre; sonoridade e musicalidade herdada da cantiga; figuras de linguagens sonoras; sugestões musicais, inclusive nos títulos e invenção de palavras (neologismo); utilização de estrangeirismos; linguagem oral e maliciosa.
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