Reside em Paris entre 1970 e 1976, período em que leciona na Faculté d´Arts Plastiques St. Charles, na Sorbonne. Nesse período sua atividade se afasta da produção de objetos estéticos e volta-se sobretudo para experiências corporais em que materiais quaisquer estabelecem relação entre os participantes. Retorna para o Brasil em 1976; dedica-se ao estudo das possibilidades terapêuticas da arte sensorial e dos objetos relacionais. Sua prática fará que no final da vida a artista considere seu trabalho definitivamente alheio à arte e próximo à psicanálise. A partir dos anos 1980 sua obra ganha reconhecimento internacional com retrospectivas em várias capitais internacionais e em mostras antológicas da arte internacional do pós-guerra.
BABA ANTROPOFÁGICA, 1973
Comentário Crítico
Lygia Clark trabalha com instalações e body art. Em 1954, incorpora como elemento plástico a moldura em suas obras como, por exemplo, em Composição nº 5. Suas pesquisas voltam-se para a "linha orgânica", que aparece na junção entre dois planos, como a que fica entre a tela e a moldura. Entre 1957 e 1959, realiza composições em preto-e-branco, formadas por placas de madeira justapostas, recobertas com tinta industrial aplicada a pistola, nas quais a linha orgânica se evidencia ou desaparece de acordo com as cores utilizadas.
O neoconcretismo define-se como tomada de posição com relação à arte concreta exacerbadamente racionalista e é formado por artistas que pretendem continuar a trabalhar no sentido da experimentação, do encontro de soluções próprias, integrando autor, obra e fruidor. Inicia, em 1960, os Bichos, obras constituídas por placas de metal polido unidas por dobradiças, que lhe permitem a articulação.
As obras são inovadoras: encorajam a manipulação do espectador, que conjugada à dinâmica da própria peça, resulta em novas configurações. Em 1963, começa a realizar os Trepantes, formados por recortes espiralados em metal ou em borracha, como Obra-Mole (1964), que, pela maleabilidade, podem ser apoiados nos mais diferentes suportes ocasionais como troncos de madeira ou escada.
Sua preocupação volta-se para uma participação ainda mais ativa do público. Caminhando (1964) é a obra que marca essa transição. O participante cria uma fita de Moebius [August Ferdinand Moebius (1790-1868), matemático alemão]: corta uma faixa de papel, torce uma das extremidades e une as duas pontas. Depois a recorta no comprimento de maneira contínua e, na medida em que o faz, ela se desdobra em entrelaçamentos cada vez mais estreitos e complexos.
Experimenta um espaço sem avesso ou direito, frente ou verso, apenas pelo prazer de percorrê-lo e, dessa forma, ele mesmo realiza a obra de arte. Inicia então trabalhos voltados para o corpo, que visam ampliar a percepção, retomar memórias ou provocar diferentes emoções. Neles, o papel do artista é de propositor ou canalizador de experiências.
Por exemplo,
Entre 1970 e 1975, nas atividades coletivas propostas por Lygia Clark na Faculté d'Arts Plastiques St. Charles, na Sorbonne, a prática artística é entendida como criação conjunta, em transição para a terapia. Em Túnel (1973) as pessoas percorrem um tubo de pano de
Já Canibalismo e Baba Antropofágica (ambos de 1973) aludem a rituais arcaicos de canibalismo, compreendido como processo de absorção e de ressignificação do outro. No primeiro acontecimento, o corpo de uma pessoa deitada é coberto de frutas, devoradas por outras de olhos vendados; e, no segundo, os participantes levam à boca carretéis de linha, de várias cores e lentamente os desenrolam com as mãos para recobrir o corpo de uma pessoa que está deitada no chão. No final, todos se emaranham com os fios.
A partir de 1976, dedica-se à prática terapêutica, usando Objetos Relacionais, que podem ser, por exemplo, sacos plásticos cheios de sementes, ar ou água; meias-calças contendo bolas; pedras e conchas. Na terapia, o paciente cria relações com os objetos, por meio de sua textura, peso, tamanho, temperatura, sonoridade ou movimento. Eles permitem-lhe reviver, em contexto regressivo, sensações registradas na memória do corpo, relativas a fases da vida anteriores à aquisição da linguagem.
A poética de Lygia Clark caminha no sentido da não representação e da superação do suporte. Propõe a desmistificação da arte e do artista e a desalienação do espectador, que finalmente compartilha a criação da obra. Na medida em que amplia as possibilidades de percepção sensorial em seus trabalhos, integra o corpo à arte, de forma individual ou coletiva. Finalmente, dedica-se à prática terapêutica. Para Milliet, a artista destaca-se sobretudo por sua determinação em atravessar os territórios perigosos da arte e da terapia.
Acesse: www.lygiaclark.org.br
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