Susan Greenfield,
neurocientista da Univ. de Oxford
Susan Greenfield, especialista em fisiologia cerebral,
diz que estamos cada dia mais dependentes de redes sociais e videogames e prevê
um futuro sombrio para os "nativos digitais", geração que passará a
vida inteira online. Jones
Rossi
Para a neurocientista
britânica Susan Greenfield, o admirável mundo novo da internet e das redes
sociais não é tão admirável assim. Videogames e redes sociais estão, na visão
dela, criando uma nova geração – a de "nativos digitais" – que vai
passar a maior parte de sua vida online. E isso não é bom, segundo ela. "As
crianças que estão crescendo agora nesse ambiente do ciberespaço, não vão
aprender como olhar alguém nos olhos, não vão aprender a interpretar tons de
voz ou a linguagem corporal", disse em entrevista ao site de VEJA,
concedida em sua passagem pelo Brasil para falar na Conferência Fronteiras do
Pensamento, em São Paulo e Porto Alegre.
Susan, de 52 anos,
autora de livros como The Private Life of the Brain (A Vida Privada
do Cérebro, sem edição no Brasil), afirma que há um grande risco de as
pessoas passarem a viver suas vidas exclusivamente em ambientes virtuais.
"Um estudo americano, de 2010, mostrou que mais da metade dos adolescentes
entre 13 e 17 anos gastava mais de 30 horas por semana na internet. São quatro
ou cinco horas por dia não andando na praia, não dando um abraço em alguém, não
sentindo o sol no rosto, não subindo em uma árvore, não fazendo todas as coisas
que as crianças costumavam fazer."
Outra comparação
feita pela neurocientista, que também é professora de Farmacologia na
Universidade de Oxford, é entre as redes sociais e a indústria do cigarro. De
acordo com ela, assim como as produtoras de tabaco negavam o poder viciante do
cigarro, o mesmo ocorre hoje com as companhias que lucram com o uso das redes
sociais e videogames. "É preciso admitir que existe um problema", diz
ela, citando estudos que relacionam a utilização intensiva de redes sociais com
a liberação de substâncias estimulantes no cérebro.
Apesar de enxergar
com pessimismo um mundo em que estejamos conectados a maior parte do tempo,
Susan diz que não adianta proibir crianças e adolescentes de usar videogames e
redes sociais. "É preciso oferecer um mundo tridimensional mais
interessante para eles."
A internet afeta o
cérebro? Todos
estão interessados em saber como as tecnologias digitais, especialmente a
internet, afetam o cérebro. A primeira coisa a saber é que viver afeta o
cérebro. O cérebro muda a todo instante de nossas vidas. Tudo que é feito
durante o dia vai afetar o cérebro. A razão disso é que o cérebro humano se
desenvolveu para se adaptar ao ambiente, não importando qual fosse esse
ambiente. É interessante notar que agora o ambiente é muito diferente, de
maneira sem precedentes.
Como a imersão num
ambiente virtual pode afetar o cérebro? Há várias perguntas diferentes a serem respondidas.
Eu acho que há três grupos abrangentes. O primeiro é o impacto das redes
sociais na identidade e nos relacionamentos. O segundo é o impacto dos
videogames na atenção, agressividade e dependência. E o terceiro é sobre o
impacto dos programas de busca no modo como diferenciamos informação de
conhecimento, como aprendemos de verdade. É claro que há muitos estudos que
ainda precisam ser feitos, mas certamente há cada vez mais evidências sobre
aspectos positivos e negativos. Por exemplo, já foi demonstrado que jogar
videogames pode ser similar a fazer um teste de QI. Pode ser que o aumento de
QI visto em alguns testes aconteça graças à repetição de uma certa habilidade
ao jogar videogames. Agora, só porque vemos um aumento de QI em quem joga
videogames não quer dizer que haja um aumento de criatividade ou capacidade de
escrita. Também se sabe, por alguns estudos, e por exames de imagem, que os
videogames aumentam áreas do cérebro que liberam dopamina. Também sabemos que,
em casos extremos, nos quais as pessoas gastam até 10 horas por dia na frente
da tela, existe uma forte correlação com anormalidades em exames cerebrais.
Como costumamos dizer, uma andorinha só não faz verão. Então é importante fazer
mais estudos. Isto não é definitivo, em se tratando de ciência nada é
definitivo, por isso é importante começar a fazer pesquisa básica porque, até
agora, está claro que coisas boas e coisas ruins estão acontecendo de um modo
que não haviam acontecido em gerações passadas.
Existe um limite de
tempo seguro para navegar na internet? É claro que muitos pais já me perguntaram:
'com que frequência meus filhos devem usar a internet? Até quando é seguro?' O
que acontece na Inglaterra, acho que aqui também, é que alguns pais falam para
os filhos 'façam uma pausa a cada 10 minutos'. Mas eu não conheço ninguém que
no meio do jogo pensa 'está na hora da minha pausa de 10 minutos'. Minha
sugestão é agradar as crianças, em vez de dizer 'você só jogar por uma ou duas
horas, ou você simplesmente não pode jogar.' Não seria melhor se a criança
decidisse sozinha que não quer jogar? E por que eles fariam isso? Porque o que
você vai oferecer a ele é muito mais excitante, muito mais agradável, muito
mais interessante, do que esse jogo. É um desafio, mas o que temos que fazer é
tentar pensar em maneiras, não tentar negar a tecnologia. Nós podemos, na nossa
sociedade maravilhosa, com toda essa tecnologia, com todas as oportunidades que
temos, dar aos nossos filhos um mundo tridimensional interessante para viver.
Há quem associe o
aumento da incidência do transtorno de déficit de atenção e da hiperatividade
(TDAH) ao uso da internet pelas crianças. Essa ligação faz sentido? Está havendo um
crescimento alarmante de TDAH. Sabemos que a prescrição de drogas como
ritalina, usadas para TDAH, triplicaram, quadruplicaram nos últimos 10 anos. É
claro que isso é muito. A condição pode estar sendo mais diagnosticada ou pode
ser que os médicos estejam prescrevendo mais os remédios. Há, porém, outro
fator importante: a causa pode ser as tecnologias digitais.
Por que culpar a
internet e não a TV, por exemplo? Algumas pessoas dizem que a TV é a mesma
coisa que a internet. Mas já se mostrou que não é o caso. Há uma grande
diferença para o que fazemos na internet, que é altamente interativa e também
tende a ser mais estimulante. Nós também sabemos que, quando se joga videogame,
uma substância química no cérebro relacionada com o estímulo, chamada dopamina
, é liberada. O que é interessante é que, quando se toma ritalina, a dopamina
também é liberada. Então, agora as pessoas estão pensando que talvez as
crianças estejam viciadas em videogames. E estão medicando essas crianças
porque elas teriam TDAH, e estão fazendo, embora não façam ideia, com que haja
mais dopamina no cérebro. Então certamente há uma ligação entre TDAH e
videogames, mas precisamos entender mais sobre os mecanismos cerebrais para
entender como isso funciona.
Como a senhora acha
que a geração atual será no futuro? É interessante pensar no caráter, nas
aptidões da próxima geração, os cidadãos da metade do século 21. Eu acho que
haverá coisas boas e coisas ruins. Imagino quetalvez eles tenham um QI maior e
uma boa memória. Acho também que eles correrão menos riscos que nossa geração –
isso pode ser tanto bom quanto ruim. Por um lado, ninguém quer pessoas que
nunca se arriscam, que são excessivamente precavidas, mas, por outro lado,
também não queremos pessoas inconsequentes. Infelizmente, também acho que essa
geração terá um senso de identidade mais frágil, menos empatia, menos
concentração, e podem ser mais dependentes ao viver o "aqui e agora"
em vez de ter um passado, presente e futuro. Talvez eles fiquem mais presos ao
presente.
Por que o senso de
identidade seria menor? Até recentemente, em muitas partes do mundo, os seres
humanos tinham preocupações mais imediatas, como sobreviver, se manter
aquecido, não ter dor, não viver com medo e ter onde se abrigar. Essas questões
eram as mais importantes quando se era um adulto. Mas agora a tecnologia, em
sociedades mais privilegiadas, como o Brasil e a Grã-Bretanha, está permitindo
que a população, pela primeira vez na história, viva muito mais e tenha uma
vida saudável. Uma criança tem, agora, uma em três chances de viver mais de 100
anos. Então o que fazer com esse tempo? Essa é uma pergunta que não se fazia no
passado porque as pessoas morriam de doenças ou estavam preocupadas com outras
coisas. Mas agora é factível presumir que as pessoas não saberão o que fazer
com a segunda metade de suas vidas, após seus filhos estarem criados. Se elas
estiverem saudáveis, em forma, mentalmente ágeis, não poderão simplesmente
jogar golfe todo dia, ou sudoku. Acho que uma das grandes questões para eles
será fazer perguntas que tradicionalmente apenas adolescentes fazem: "Quem
sou eu? Qual é o sentido da vida? Para onde estou indo? Qual o propósito disso
tudo?" Na minha opinião, isto pode ajudar a explicar por que, de uma
maneira engraçada, Facebook e Twitter são tão populares.
Por quê? As pessoas têm um
senso integral de identidade. De repente elas se sentem importante porque gente
ao redor do mundo está se comunicando com elas, comentando o que elas disseram.
Então, este tipo de pessoa, que no passado vivia em uma comunidade local, e
tinha uma identidade dentro daquela cultura, dentro daquele país, agora tem uma
presença global, mas que é construída externamente. Não é real. É como em uma
ocasião na qual estava em um café da manhã com Nick Clegg
(vice-primeiro-ministro da Grã-Bretanha) e tinha uma mulher perto de mim tão
ocupada contando a todo mundo que ela estava tendo uma café da manhã com Nick
Clegg que nem conseguiu prestar atenção ao que ele estava dizendo. Ela só
ficava tuítando o tempo todo: "café da manhã com Nick Clegg". Eu vi
um filme com duas meninas conversando dentro de um carro e uma pergunta para a
outra: "Como você se sente dentro deste carro?" Ela não responde
"estou triste" ou feliz ou animada, nada disso. Ela diz: "o
carro é digno de um post no Facebook."
Por que isso é
preocupante? A
partir disso eu infiro que as pessoas estão construindo uma identidade no
ciberespaço que em boa parte é formada pela visão das outras pessoas. Existe um
site chamado KLOUT. Se você entrar nesse site, ele te diz o quão importante
você é, te dá um número chamado Klout Score. Klout, em inglês, significa
importante. As pessoas pagam para ver qual é a sua pontuação e para aumentá-la.
Eu acho interessante essa tendência de que mesmo que você sinta-se muito
importante, muito conectada, você se sente insegura, tenha baixa autoestima,
sinta-se constantemente inadequada. Existe um livro muito bom escrito por
Sherry Turkle chamado Alone Together - Why We Expect More From Technology
and Less From Each Other (algo como "Juntos sozinhos - Por que
esperamos mais da tecnologia e menos de cada um de nós", lançado em
janeiro, ainda sem editora no Brasil). Ela disse: "bizarramente, quanto
mais conectado você está, mais você está isolado."
Hoje, entretanto, a
maior parte das pessoas continua levando suas vidas normalmente, fora do
ciberespaço, e apenas uma pequena parte dentro dele. Isso se inverterá no
futuro? A
maioria das pessoas dirá que, se tirarmos um instantâneo da sociedade hoje, um
monte de pessoas está vivendo normalmente e feliz em três dimensões. Elas têm
amizades saudáveis e gostam de estar no Facebook e no Twitter. Com certeza, é
apenas uma minoria de pessoas que gastam até 10 horas por dia em frente do
computador. Porém eu acho esse tipo de argumento problemático porque é
solipsista — você está argumentando a partir do seu ponto de vista. Já falei
várias vezes com jornalistas, que geralmente são de meia-idade e de classe
média, e dizem que usam isso e aquilo e é fantástico. Às vezes sou criticada
porque não estou no Facebook, não estou no Twitter, e mesmo assim estou
comentando a respeito. Eu respondo que, mesmo se eu estivesse me divertindo
muito no Facebook, isso não quer dizer que todos sejam como eu ou que vão usar
do mesmo modo que eu uso, ou que vão ter o mesmo tipo de amizades que eu tenho.
O uso então é
exagerado?
Eu acho que precisamos olhar para as estatísticas em vez de apenas levar em
conta as impressões pessoais ou os meios de comunicação. De acordo com as
estatísticas, os chamados nativos digitais, gente que nasceu após 1990,
apresentam níveis de uso alarmantes. Por exemplo, um estudo americano, de 2010,
mostrou que mais da metade dos adolescentes entre 13 e 17 anos estavam gastando
mais de 30 horas por semana na internet. O que me chama atenção não são as 30
horas, mas o que vai além disso. Isso significa que pelo menos quatro ou cinco
horas por dia em frente ao computador. O problema com isso é que, não
importando o quão fantásticas ou benéficas sejam as redes sociais — vamos dizer
que sejam 100% maravilhosas — ainda são quatro ou cinco horas por dia não
andando na praia, não dando um abraço em alguém, não sentindo o sol no rosto,
não subindo em uma árvore, não fazendo todas as coisas que as crianças
costumavam fazer. Acho que devemos prestar atenção a essa questão. Acho também
que podemos comparar o que acontece hoje com o momento do anos 50 quando as
pessoas começaram a mostrar uma relação entre o câncer e o cigarro. A indústria
do tabaco foi hostil a essa descoberta, tentou negar e insistir que fumar não
era viciante. E se você tem um grupo de pessoas se divertindo e outro grupo
fazendo dinheiro com isso, esse é um círculo perfeito. A primeira coisa a fazer
quando pensamos na relação entre os jovens e a internet é reconhecer que talvez
aí exista um problema.
Não se trata de
excesso de zelo?
Existem outras questões também. Há uma grande diferença entre os chamados
"imigrantes digitais", pessoas como eu e possivelmente pessoas como
as que estão lendo essa entrevista e que tiveram uma educação convencional,
cresceram lendo livros, tendo relações apropriadas, em três dimensões, e as
crianças que estão crescendo agora, recebendo um comando evolucionário para se
adaptar ao meio ambiente. Se esse ambiente é incessantemente o ciberespaço,
elas não vão aprender como olhar alguém nos olhos, elas não vão aprender a
interpretar tons de voz ou a linguagem corporal. Elas não vão aprender como é
quando se toca alguém, se tem um contato físico. O que significa que, se alguém
ficar cara a cara com alguém no mundo real será mais desagradável, mais
agressivo, então as pessoas vão preferir se comunicar por meio das telas. Já é
o caso da Grã-Bretanha, não sei como é aqui no Brasil. Escritórios se tornaram
locais bastante silenciosos, porque, em vez de conversarem entre si, as pessoas
preferem enviar mensagens. Outro problema que, acho eu, mostra uma tendência, é
um fantástico aplicativo — é fantástico que as pessoas paguem por isso. São
dois, na verdade. Um deles se chama Self Control (Auto controle). O
outro se chama Freedom (Liberdade). Você paga para que eles não o deixem
usar a internet obsessivamente. Eles desligam seu computador a cada 50 minutos
ou a cada hora. Por que as pessoas deveriam pagar por algo que elas mesmas
poderiam fazer facilmente, a menos que estejam obcecadas ou tenham se tornado
dependentes? Eu posso chegar para você e dizer que tenho uma maneira brilhante
de ganhar dinheiro: você me paga para eu desligar seu computador para você.
Você vai me dizer que estou louca.
Refletindo sobre
aspectos como os acima sugeridos, escolhendo entre eles os que você julgue mais
pertinentes ou, caso ache necessário, levantando outros aspectos que você
considere mais relevantes para tratar do tema proposto, redija uma DISSERTAÇÃO-ARGUMENTATIVA,
apresentando argumentos que dêem consistência e objetividade ao seu ponto de
vista, A PARTIR DO SEU P0SICIONAMENTO SOBRE O TEMA EXPOSTO.
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