quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Os poemas-piada de Oswald de Andrade

oswald
Senhor
Que eu não fique nunca
Como esse velho inglês
Aí do lado
Que dorme numa cadeira
À espera de visitas que não vêm



Entre os poemas sintéticos e polêmicos de Oswald de Andrade está este: AMOR/ HUMOR.
Composto apenas por duas palavras, o título "Amor" definido como "humor", pode provocar estado de graça ou provocar o mau-humor. O poema é curtíssimo e parece apenas uma brincadeira com palavras, uma simples rima. Mas essa rima pode ser vista como complexa, à medida que o autor não pretende definir o amor de forma retórica ou mesmo expressar seus sentimentos, como os românticos.

Oswald é anti-romântico e anti-retórico, pois sabe que o amor, assim como tantos outros acontecimentos da vida, não pode ser definido em um poema. Porém, com a rima apresenta uma visão dessacralizada do amor, que não é habitual nem sisuda, o amor pode ser visto como sentimento dependente também das variações de humor. A felicidade, a euforia, a alegria como idealismos amorosos, mas até a perda de um amor poderá também ser vista com bom humor, sem necessidade de se morrer por ele, como queriam os poetas românticos.

Portanto, apesar da maneira aparentemente descompromissada com que o poema-piada aborda o tema, podemos verificar que ele nos leva a reflexões mais amplas e não apenas ao riso.


Amor
Humor

Canto de regresso à pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.


A descoberta
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.



O capoeira
— Qué apanhá sordado?
— O quê?
— Qué apanhá?
Pernas e cabeças na calçada.


O gramático
Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou.


Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados


Pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro


Oferta
Quem sabe
Se algum dia
Traria
O elevador
Até aqui
O teu amor


Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

FIM E COMEÇO
A noite caiu sem licença da Câmara
Se a noite não caísse
Que seria dos lampiões?

Relicário
No baile da corte
Foi o conde d’Eu quem disse
Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí
Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí


3 DE MAIO
Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi.

DITIRAMBO
Meu amor me ensinou a ser simples
Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade...
 



 

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