sexta-feira, 15 de abril de 2011

SÃO BERNARDO, Graciliano Ramos

 

Graciliano Ramos (1825 - 1953)
São Bernardo no cinema

Othon Bastos no papel de Paulo Honório, na adaptação cinematográfica

PERÍODO LITERÁRIO DA OBRA: Modernismo II fase

ANO DA 1a. PUBLICAÇÃO DA OBRA: 1934

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS DO MODERNISMO II FASE:
• Uma resposta artística ao momento de fermentação política e ideológica da década de 30;
• Arte engajada, de clara militância política;
• Interesse por temas nacionais;
• A busca de uma linguagem mais brasileira;
• Interesse pela vida cotidiana;
• Romance mais amadurecido;
• Enfoque mais direto da realidade;
• Denuncia: as agruras da seca e da migração, os problemas do trabalhador rural, a miséria e a ignorância;
• Sondagem do mundo interior (psicologia);
• Influências do Realismo-Naturalismo do século XIX;
• O cangaço, o fanatismo religioso, a luta pela terra, a crise dos engenhos;
• Sobressai o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, pelos poderosos, o homem sendo devorado pelos problemas que o meio lhe impõe (Determinismo);
• Predominância do regionalismo;


RESUMO
Sentado na sala de jantar de sua residência, tendo ao lado o filho de cerca de três anos, Paulo Honório, fazendeiro nas imediações de Viçosa, estado de Alagoas, dedica-se à árdua tarefa de escrever sozinho a história de sua vida, pois as tentativas de fazê-lo com a ajuda de conhecidos seus haviam fracassado completamente devido tanto a divergências políticas como, em particular, de linguagem. Em vista de tais percalços, o fazendeiro decide executar ele próprio seu projeto de autobiografia e entra direto no assunto.

A ASCENSÃO
Aos 18 anos, já tendo trabalhado na enxada para vários patrões, em várias fazendas, aprendera a ler na cadeia, onde permanecera quatro anos em virtude de ter esfaqueado um rival na disputa por uma moça, que depois se tornaria prostituta. Ao ser libertado, resolvera concentrar todo seu esforço no objetivo de ganhar dinheiro, correndo o sertão atrás de negócios variados e, não raro, perigosos.

A AQUISIÇÃO DA FAZENDA S. BERNARDO
Finalmente, cansado de tal vida, tomara a decisão de fixar-se no município de Viçosa, acalentando a intenção de adquirir a fazenda São Bernardo, onde havia trabalhado quando jovem. O proprietário da mesma, Salustiano Padilha, falecera há algum tempo, depois de não ter podido realizar seu sonho de dar ao filho, Luís, um diploma de doutor. Este, sem título nem vontade de trabalhar, entregara-se à bebida, ao jogo e à farra com mulheres, deixando a fazenda em completo abandono.
São Bernardo no teatro

O CASAMENTO COM MADALENA
A certa altura, Paulo Honório decide que precisa casar para ter um herdeiro que viesse a tomar conta de São Bernardo. Certo dia, em Viçosa, na casa do juiz, conhece uma jovem loira e bonita, acompanhada de uma senhora, d. Glória. Impressionado, quer buscar informações sobre a jovem, mas desiste, temeroso de passar por ridículo. Algum tempo depois, contudo, ao retornar de uma viagem à capital, encontra no trem, por acaso, a mesma d. Glória e fica sabendo que a jovem, sua sobrinha, é professora primária em Viçosa e se chama Madalena, de cuja beleza, aliás, sem ligar o nome à pessoa, Paulo Honório já ouvira falar. Aos poucos, no íntimo, seu projeto de casamento com Madalena vai amadurecendo. Pretextando que Luís Padilha não servia mais para professor em virtude de suas idéias políticas, convida Madalena para ser professora em São Bernardo. Em vista da recusa, Paulo Honório confessa que o motivo do convite era, na realidade, outro e declara sua disposição de casar com ela. Apesar de não se surpreender, Madalena mostra-se indecisa durante algum tempo mas, afinal, aceita a proposta e o casamento realiza-se em seguida na capela da fazenda, onde d. Glória também passa a residir.

OS CIÚMES
Cerca de dois anos depois do casamento, Madalena tem um filho. No dia em que se comemoram os dois anos de casamento, Paulo Honório encontra Luís Padilha colhendo flores no jardim a pedido de Madalena. Uma idéia estranha se infiltra em seu cérebro, mas desaparece em seguida. No jantar - com a presença do jornalista Azevedo Gondim, do advogado João Nogueira e do padre Silvestre - todos discutem a situação política do país, ficando evidente que Luís Padilha e Madalena são partidários de mudanças. Começa por isso a tortura cruel da dúvida sobre a fidelidade Madalena.

O SUICÍDIO DE MADALENA
Um dia, já no limite da loucura, Paulo Honório encontra no pomar uma folha de papel com o rascunho do que julga ser uma carta de Madalena a algum homem. Enfurecido, a agride e pensa em matá-la. Madalena mostra-se serena e como que desligada do mundo, o que o intriga, principalmente por ela pedir-lhe que, no caso de vir a morrer de repente, tratasse bem de d. Glória e distribuísse seus objetos de uso pessoal entre pessoas conhecidas. Na noite seguinte, Madalena se suicida e Paulo Honório encontra uma longa carta a ele dirigida na qual faltava uma folha: exatamente aquela que encontrara perdida no pomar.

Isabel Ribeiro e Othon Bastos, no papel de Madalena e Paulo Honório, na adaptação cinematográfica

A DERROCADA
Passado não muito tempo, d. Glória e seu Ribeiro, o idoso contabilista que se afeiçoara a Madalena, deixam a fazenda. A Revolução de 30 explode. Padre Silvestre e Luís Padilha, este acompanhado de uma dezena de caboclos de São Bernardo, aderem. Paulo Honório sente que os ventos haviam mudado de direção. A profunda crise econômica que se abate sobre o país atinge também São Bernardo, e Paulo Honório começa a enfrentar dificuldades em vista da queda dos preços dos produtos agrícolas, da alta do dólar e do corte do crédito. Para agravar ainda mais esta situação, os vizinhos, animados com a queda do governo e a transferência do juiz, dr. Magalhães, para outra comarca, decidem ir à forra e levam à justiça a questão das divisas. Desanimado, Paulo Honório perde o interesse pelo trabalho e o mato começa a tomar conta da fazenda.

ASPECTOS QUE MERECEM ATENÇÃO

1)Trata-se de uma narrativa em primeira pessoa em que um "eu protagonista" procura recompor a sua existência, recapitulando-a para si e para os seus leitores. Algo similar ao processo de recuperação do passado de Bentinho, em Dom Casmurro.

2)A narrativa apresenta trinta e seis capítulos curtos. Nos dois primeiros, Paulo Honório registra, no passado próximo, as suas dificuldades para escrever o relato. Nos capítulos seguintes, o narrador mergulha no passado mais distante, obedecendo à ordem cronológica da infância à vida adulta. Esta ordem linear só é quebrada no capítulo 19, quando o dono da São Bernardo, usando o tempo presente, sente-se melancolicamente acossado pelos fantasmas de um mundo que já acabou.

Paulo Honório no cinema

3)Paulo Honório exerce um duplo papel no romance. Há o fazendeiro ambicioso que constrói a mais importante propriedade rural da região e há o escritor que tenta entender as razões de seu fracasso existencial.

4)A questão técnica do romance: Paulo Honório acha que não teria condições de escrevê-lo, devido à sua rudeza e às suas poucas letras. Tenta resolver o problema através da divisão do trabalho: padre Silvestre ficaria com a parte moral e as citações latinas; o advogado João Nogueira com as questões gramaticais e o jornalista Azevedo Gondim com a composição literária. Mas só o jornalista aceita a tarefa. O seu estilo pernóstico e complicado desagrada profundamente a Paulo Honório, que decide ele mesmo escrever o relato, utilizando uma linguagem coloquial e aparentemente anti-literária. Surge então a linguagem de São Bernardo: frases curtas, objetivas, quase brutas, despidas de metáforas e com escassa adjetivação. Nessa opção por um estilo despojado, revela-se - em Graciliano Ramos - a busca da simplicidade expressiva, marca registrada da geração modernista de 22, que os romancistas de 30 vão levar adiante em suas obras.

5)Há um desnível brutal entre o refinamento técnico da narração e os medíocres dotes culturais e artísticos de Paulo Honório. A narração só não se torna inverossímil porque os eventos e as vivências do rude fazendeiro são tão dramáticos (e significativos para os leitores) que sobrepujam a inconcebível sofisticação do texto.

6)A vitória capitalista de Paulo Honório já tem um componente da nova ordem socioeconômica: a coisificação dos seres. Para o senhor de São Bernardo, as pessoas valem enquanto objetos na sua escalada. Quase tudo se transforma em mercadoria.



7)A derrocada final de Paulo Honório - com a angustiante consciência de seu fracasso - constitui uma das mais belas páginas de toda a nossa literatura. Esta agonia do protagonista parece resultar de uma complexa teia de fatores:
• a ascensão vertiginosa, que o impediu de olhar mais para os seres humanos;
• o espírito capitalista que o levou a transformar tudo em capital e lucro;
• a alma patriarcal, rústica e bárbara, incapaz de transigir e, portanto, de compreender Madalena;
• o próprio bloqueio afetivo, do qual é vítima, e que parece resultar de sua necessidade de sobrevivência num universo hostil, desde os tempos ásperos da infância até a maturidade.

Temática regionalista em Cândido Portinari. Enterro da menina morta

8)Ainda sobre a derrota de Paulo Honório é necessário lembrar que:
• ela é deflagrada pelo suicídio de Madalena;
• ela é homóloga à Revolução de 30, que significa o triunfo das forças modernizadoras sobre a antiga estrutura agrária;
• por não pertencer totalmente nem à velha ordem patriarcal nem à nova ordem capitalista, Paulo Honório não aceita nem rejeita a Revolução; simplesmente não a compreende;
• a fuga generalizada da fazenda leva-a à decadência, mas é visível que, apesar de todas as dificuldades econômicas - advindas da crise dos anos trinta - Paulo Honório poderia recuperá-la. Só que ele não vê nisso mais nenhum sentido.

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