sábado, 30 de julho de 2011

ARTE PELA ARTE: BELEZA E HARMONIA

A civilização grega evoluiu no domínio da filosofia, da arte e na percepção de encontrar a personificação da beleza suprema e da harmonia. No contexto da inspiração humana, os gregos consideravam a arte e a beleza dons divinos, provenientes dos deuses, que em determinado momento de generosidade transmitia-os aos mortais, através de entidades específicas.
A inspiração criativa dos humanos era dada através das Musas e das Graças, seres mitológicos que constituem uma das mais esplendorosas concepções que a cultura helênica inventou para simbolizar o poder de criação da mente. Musas e Graças extraiam do homem o que de mais belo havia em seu coração, fazendo dos pastores poetas, dos brutais guerreiros suaves cantores, dos navegantes escultores de uma obra quase perfeita.
Na acepção mais antiga das lendas, as Musas eram Ninfas habitantes dos bosques e das montanhas, vivendo próximas dos rios e das fontes. Belas e harmoniosas, caminhavam por vales bucólicos, de beleza poética e inspiradora, sendo, em determinado momento da cultura grega, elevadas à categoria de divindades inspiradoras da poesia e do canto.
O poeta grego expressava a sua poesia através do canto e da música, o que tornava as Musas também cantoras e músicas, e exímias criadoras das danças. Na versão mais completa do mito das Musas, eram nove divindades, filhas de Zeus (Júpiter) e Mnemósine (a Memória). Foram geradas pelo senhor do Olimpo para que através da memória universal herdada da mãe, perpetuassem a façanha dos deuses através do tempo, através de todos os cantos do mundo. Numa das versões do mito, habitavam o monte Helicão, na Beócia, um local repleto de bosques e fontes. Nas versões mais poéticas, eram habitantes do monte Parnaso, em Delfos, ao lado do deus da luz, Apolo, a quem cortejavam e ajudavam na inspiração criativa dos mortais.
As três Graças são as entidades mitológicas que alegram a natureza e o coração dos homens, fazendo com que aflorem a sensibilidade do poeta e do cantar. Representam tudo que é doce, como a flor desabrochada, as ramagens renascidas e verdes, o encanto, a doçura humana, fazendo com que a vida seja menos triste.
Musas e Graças representam na mitologia grega a inspiração que significa a própria essência da arte, a personificação da beleza suprema harmonizando o homem com a natureza, o corpo com a perfeição dos músculos e dos traços, a estética com a palavra, o canto com a poesia.

Origem e Habitação das Musas

O mito das Musas suscita várias versões relativas às origens. Mimnermo, poeta do século VII a.C., atribui-lhes a paternidade a Urano (Céu), fruto do seu amor procriador com Gaia (Terra). Outras versões consideram-nas filhas de Píero, sem indicar, ao certo, a mãe, que seria Antíopa, ou Pimpléia. Há os autores que atribuem a maternidade a Pimpléia, mas não com Píero, e sim com Zeus. A versão mais comum é a de que seriam filhas de Zeus com a titânia Mnemósine,a Memória.
Reza a lenda que quando Zeus venceu Cronos (Saturno) e os Titãs na guerra pelo poder dos deuses, sentiu a necessidade de registrar a vitória através dos cânticos do mundo. Para perpetuar o esplendor da nova era que originou o governo dos deuses do Olimpo sobre os mortais, era preciso que seres especiais e dotados de memória o fizessem através dos tempos. Zeus escolheu a titânia Mnemósine, a deusa da memória, para com ela engendrar o filho que iria perpetuar o canto da vitória dos deuses. Durante nove noites, o senhor do Olimpo amou Mnemósine. Desse amor feito em forma de um poema de horas, nasceu não um filho, mas nove filhas. Nove irmãs que traziam entre si a beleza e a harmonia, mescladas ao dom da inspiração. Eram as nove Musas.
A lenda que atribui Mnemósine como a mãe das Musas, diz que elas nasceram em Piéria, leste do Olimpo, lugar onde morava a deusa. Por isto eram chamadas de Musas Pierias. Vertentes da lenda atribuem o local como o da habitação das divindades. Muitos apontam o monte Helicão, na Beócia, como a verdadeira moradia, sendo as entidades denominadas de Musas Beocias. A versão mais propagada pelos poetas através dos tempos é de que habitavam o mítico monte Parnaso, em Delfos, no centro da Grécia, sendo conhecidas como Musas Délficas. Seja qual for a versão da moradia das Musas, era sempre um local repleto de fontes e bosques, onde as águas (em especial as do monte Helicão) tinham propriedades de conceber o dom profético e inspirar os poetas.

O Culto às Divindades Inspiradoras da Arte

Os gregos antigos consideravam as Musas não como um sinônimo da arte, mas como a própria arte. Eram cultuadas como divindades inspiradoras da verdade, pois os poetas recorriam às palavras como fonte segura de não se contar mentiras e falsidades aos homens, a palavra, soprada aos ouvidos, ao ser escrita, virava um registro, que mesmo envolvido pela fantasia da liberdade criativa, tornava-se um relato fincado na verdade. Também as profecias eram vociferadas em forma de poesia.
O templo mais antigo erigido às Musas estava na Trácia, onde se originou o culto a elas. Mais tarde, propagou-se esse culto para a Beócia, tendo grande importância ao pé do monte Helicão, considerado o local mágico onde habitavam. Inspiradoras da arte, em especial da poesia e da música, elas faziam parte do séquito do deus Apolo, sendo por isto, veneradas juntamente com o deus em Delfos, um dos maiores santuários da Grécia antiga, erigido em honra do deus da luz.
Em tempos mais remotos, as Musas eram veneradas como deusas virgens, que puniam gravemente àqueles que tentassem tocá-las e possuí-las. Com a evolução da cultura grega e das suas cidades estados, o mito das Musas também evoluiu e deixaram de ser vistas como eternas virgens, surgindo lendas de uniões amorosas por elas vividas e de filhos. Calíope ou Clio, duas das Musas, seriam mãe de Orfeu, conforme a versão da lenda.
Seguindo à evolução cultural grega, passaram a ser vistas como inspiradoras dos grandes reis, tornando-os mais sensíveis à arte e mais justos. Mais tarde, além dos poetas, foram conclamadas inspiradoras dos médicos, cientistas, legisladores e navegantes. A inspiração era vista pelos gregos como sagrada, fazendo dos poetas homens próximos da imortalidade dos deuses, a origem divina da energia interior do artista era apenas uma, a Musa.

Os Artistas e as Musas

Habitantes dos montes, quer o Helicão ou o Parnaso, dos bosques e das fontes, as Musas também passavam grande parte do tempo no monte Olimpo, a morada oficial dos deuses. Tinham como função alegrar o banquete dos imortais, entretendo-os com seus cantos melódicos e danças suaves.
Mas não eram apenas os deuses olímpicos que eram contemplados com o encanto e beleza das Musas, também os mortais usufruíam pessoalmente da arte das deusas. Conta a lenda que, à noite, as nove deusas envoltas em suaves nuvens, desciam às casas dos mortais, participando das suas festas e celebrações. Discretamente, juntavam-se ao coro de vozes humanas, tornando-os melodiosos e de uma suavidade divina. Quando um coro alcançava o ápice da beleza, dizia-se que eram as Musas que o regiam naquele instante fecundo.
Grandes poetas atribuíam às Musas a sua inspiração. Homero (século IX a.C.), invocou-as para auxiliá-lo na concepção e elaboração dos seus poemas épicos, “A Odisséia” e “A Ilíada”. Safo (século VI a.C.), escritora da ilha de Lesbos, aclama uma musa como fonte de inspiração da sua escrita e de todos os poetas. Píndaro (518-446 a.C.), evoca-as em suas famosas “Odes”. Hesíodo (século VIII a.C.), afirmava que fora as Musas quem lhe despertara o dom da poesia, quando ele era ainda um pastor, sendo as responsáveis pela criação da sua obra-prima, “Teogonia”. Em toda a Grécia antiga, os poetas épicos e líricos, invocavam as Musas, chamando os seus nomes em público. Ocuparam um lugar importante na comédia do teatro grego, não acontecendo o mesmo no drama trágico. Também os escultores buscavam a inspiração da beleza de suas estátuas não só em Apolo, como naquelas que faziam parte do seu séquito.

Nomes e Funções das Nove Musas

As características lendárias mais freqüentes no mito das Musas foram atribuídas por Hesíodo, desde a concepção que confere Zeus e Mnemósine como os pais das deusas, à fixação do seu número em nove. Se Homero não especificou nomes e o número, referindo-as como um todo, Hesíodo nomeou cada uma delas: Clio, Euterpe, Talia, Melpômene, Urânia, Calíope, Terpsícore, Érato e Polímnia.
Se Hesíodo e outros poetas antigos deram nomes às nove Musas, a função de cada uma delas foi atribuída em época mais recente. Assim, cada Musa é responsável por uma parte da arte e da ciência:
Clio – Seu nome significa “glória e reputação”, a ciência que representa é a História, tendo como função relatar o feito de todos os heróis gregos e universais. Tem como símbolos a clepsidra e o clarim. Nas artes, é representada como uma jovem coroada de louros, trazendo na mão direita uma trombeta e na esquerda um pergaminho entreaberto.
Euterpe – Seu nome significa “deleite”. Preside à música, representada pela poesia lírica cantada pelos poetas antigos. Tinha como símbolo a flauta. Nas artes é representada como uma jovem coroada por flores, trazendo a flauta, tendo ao lado papéis de músicas e instrumentos musicais.
Talia – Seu nome significa “a que sempre floresce”. Personifica a comédia do teatro grego, é representada como uma jovem vestindo uma máscara cômica, coroada por ramos de hera e calçando borzeguins.
Melpômene – Seu nome significa “a que diz e canta”. Representa a tragédia no teatro grego, o drama, apesar de não se fazer alusões às Musas nas grandes tragédias clássicas, Melpômene era a Musa protetora do gênero. Na arte é representada com uma máscara trágica, coroada por folhas de videira. Traz um semblante sério, portando ricos vestidos, calçando coturnos.
Terpsícore – Seu nome significa “prazer”. Simboliza a dança. É representada coroada por grinaldas, tocando uma lira ou a cítara, instrumento também tocado por Apolo e considerado de som perfeito pelos gregos antigos.
Érato – Seu nome significa “a amável”, a que desperta desejo. Personifica a poesia lírica e erótica. Na arte é representada como uma jovem coroada de mirto e rosas, segurando na mão direita uma lira, na esquerda um arco.
Polímnia – Seu nome significa “muitos hinos”, ou segundo algumas versões, “muita memória”. É a Musa protetora da oratória e do ditirambo, composição lírica que, por exprimir uma forte pulsação de entusiasmo, foi utilizada como hino em honra a Dioniso (Baco). Na arte é representada com semblante pensativo, vestindo roupa branco e a portar um véu.
Urânia – Seu nome significa “a celeste”, representa a Astronomia e as Ciências Exatas em geral. Tem como símbolos um globo celeste e um compasso. Na arte, é representada trajando um vestido azul, coroada de estrelas, trazendo um globo na mão.
Calíope – Seu nome significa “a voz bela”, sendo apontada como a mais sábia das nove Musas. Suas atribuições sofrem divergências dos autores, sendo vista por alguns como a Musa da eloqüência, da retórica e da poesia heróica, e, por outros, como representante da poesia épica. Na arte, Calíope é representada com um diadema de ouro que a distingue de suas irmãs, sendo apontada e identificada como a rainha das Musas. Segundo algumas versões, o amor entre Calíope e Éagro, rei da Trácia, frutificou no nascimento de Orfeu, o maior cantor de toda a mitologia grega. Outras vertentes da lenda apontam Orfeu como filho de Clio e do deus Apolo.

As Três Graças

Entidades que personificam a alegria e beleza extraída do coração dos homens, as Graças, também chamadas de Cárites, têm várias vertentes quanto à origem, sendo apontadas por alguns autores como filhas de Hélios (Sol) e Egle. Outros referem-nas como filhas de Zeus com a oceânida Eurínome.
Assim como as Musas, as Graças são inspiradoras do bom e do belo. O culto às três divindades era geralmente realizado na Grécia juntamente com o das Musas. A poetisa Safo criou em Lesbos uma confraria consagrada à Afrodite (Vênus), às Musas e às Graças. A confraria era chamada popularmente como a morada das servas das Musas, designada por “museu”, que originou a palavra usada nos dias atuais onde são guardadas obras de arte. O principal centro do culto às Graças situava-se em Orcômeno, na Beócia, ali eram veneradas juntamente com Afrodite.
As Graças eram vistas pelos poetas como entidades que refletiam a doçura da natureza, da terra e dos frutos, refletidas na beleza das flores, das ramagens das árvores. As mulheres gregas cultuavam as deusas, com quem aprendiam a arte e a educação que lhes dava boas maneiras. No culto às Graças, elas cultivavam o ideal da beleza feminina, a graciosidade e a delicadeza. A mulher grega deveria saber dançar e saber tocar algum instrumento, para acompanhar a sua voz, que deveria ser suave e harmoniosa. Para este fim, deveriam pedir inspiração às Musas e às Graças, para que pudessem ser belas e saudáveis, sendo assim, aptas a dar prazer ao homem.
Divergências sobre o número e os nomes das Graças são encontradas ao longo dos séculos e dos autores. Em épocas mais remotas, apenas duas Graças eram mencionadas. Seus nomes mudavam conforme a região. Em Atenas eram chamadas de Hegemone e Auxo; em Esparta eram denominadas Cléia e Faena. Também Homero, o maior poeta da Grécia antiga, considerava que havia apenas duas Graças, chamando-as de Cáris e Pasitéia. Crisipo (281-208 a.C.), apontava duas Graças, Caris e Cárite, cujos nomes significam “graça” e “beleza” respectivamente; o filósofo grego sugeria aos mortais que se inspirassem nos dois nomes, pois assim o eram para que fizessem belas ações e fossem gratos aos que a praticavam.
As lendas mais comuns referentes às Graças, denominam que são três: Eufrosina, Aglaia e Talia. Nas artes são sempre representadas como três jovens, em círculo, de mãos dadas, com duas irmãs nas extremidades viradas para frente, enquanto que a do meio está de costas. Muitas vezes são representadas como fazendo parte do séquito da deusa da beleza e do amor, Afrodite.
Aglaia – Seu nome significa “a brilhante”, que resplandece. Era considerada a mais bela das irmãs, simbolizando a inteligência e a criatividade intuitiva.
Eufrosina – Seu nome significa “aquela que alegra o coração”. Personifica a alegria e graciosidade, sintetizando os benefícios do Sol.
Talia – Nome também dado a uma das nove Musas, cujo significado é “a que sempre floresce” ou “a que faz florescer”, trazendo o calor solar que fazia a primavera brotar.

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