sábado, 30 de julho de 2011

HERA - A CIUMENTA E VINGATIVA RAINHA DO OLIMPO

 


Hera (Juno), é dentro da mitologia greco-romana, a personificação humana que mais se aflora dentro de um deus. Suas características essenciais refletem o ciúme, o desejo da fidelidade elevado ao seu mais extremado zelo. Hera, casada com Zeus (Júpiter), o senhor de todos os deuses, reina soberana ao seu lado. Tem todos os poderes atribuídos ao marido, mas se destaca pela preservação da família, pelos princípios da monogamia, e pela perpetuação do amor único e exclusivo entre os casais.
O mito de Hera consolidou-se numa época em que a Grécia passava a defender os princípios da monogamia e a adotá-la como regra, tornando-se necessária a personificação de uma divindade que defendesse tais princípios, sendo eles atribuídos à deusa-rainha, deusa-mãe, aqui elevada à companheira de Zeus.
As lendas que envolvem Hera são rebuscadas pelo seu ciúme excessivo, o desejo de vingança em punir as traições de Zeus, perseguir as amantes do marido infiel e, conseqüentemente, os filhos que resultaram de tais atos de infidelidade. A deusa protege a família. No casamento, é por vezes, uma oponente fervorosa aos pensamentos do poderoso marido, pondo-se de lado avesso, como no caso da guerra de Tróia, onde protegeu os gregos enquanto Zeus favorecia os troianos! Seu senso de justiça limita-se ao lar, ao casamento, à família, tudo que possa corromper esse universo é rigidamente castigado por ela.
Hera é o mais irritante de todos os mitos, fazendo-o o mais humano deles. O ciúme é a sua maior característica. A fidelidade a sua obsessão. O casamento o seu ideal, embora seja uma mãe ausente e muitas vezes cruel, capaz de abandonar Hefestos (Vulcano), o filho que nasceu defeituoso. Hera é a personificação da mais pura essência da alma humana na forma de amar outrem, dentro de uma relação consolidada pela sociedade, opondo-se ao ato livre e espontâneo dos amores clandestinos, dos amantes da madrugada. Hera é a essência do matrimônio e suas prisões psicológicas, menores do que o solar da visão de uma sociedade talhada pelos princípios da monogamia.

Hera, a Rainha do Olimpo
A origem do mito de Hera é incerta, sendo descartada a idéia de ser uma divindade indo-européia, podendo ter sido trazida para a Grécia antes da invasão dos aqueus. Originalmente era mais uma das várias deusas-mães das antigas civilizações, sendo elevada à condição de esposa de Zeus, o todo poderoso senhor do Olimpo, tornando-se assim, uma entidade de consagrada importância dentro dos cultos pagãos gregos. Nas venerações mais primitivas à divindade, era-lhe atribuída a responsabilidade do nascimento, do bom parto, conforme o mito era desenvolvido, tornava-se protetora do matrimônio.
Hera era a filha mais nova de Cronos (Saturno) e Réia (Cibele). Assim como o irmão Zeus, foi poupada de ser devorada pelo pai, através de um ardil da mãe, que a entregaria recém nascida aos cuidados de Tétis e das Horas.
Quando Zeus derrotou Cronos, após uma guerra sangrenta de dez anos, tornando-se o senhor dos deuses, procurou pela irmã. Fascinado por sua beleza, encantou-se por ela, declarando-lhe uma paixão arrebatadora. Mas Hera declinou diante da paixão do irmão, preferindo manter-se casta. Inconsolável, Zeus transformou-se em um cuco, surgindo na frente da amada como um pássaro triste e quase morto pelo frio. Compadecida, Hera, pegou a ave, aquecendo-a no calor do seio. Tão logo se viu junto ao corpo da deusa, Zeus, entorpecido pelo desejo, tomou-a para si, violando-a.
Diante da vergonha e humilhação sofrida, Hera exigiu que o irmão reparasse o ultraje. Apaixonado e decidido a encontrar uma companheira, o senhor dos deuses tomou a irmã como esposa, em uma pomposa cerimônia no Olimpo, assistida por todos os deuses. Hera tornava-se, ao lado do marido, a rainha de todos os deuses do Olimpo.
Reza a lenda, que após a grandiosa festa de matrimônio, Hera e Zeus partiram para um longo período de núpcias que duraria trezentos anos. Após regressar das núpcias, a deusa foi até Náuplia, banhando-se na fonte de Cánatos, sendo ali, restituída a sua virgindade. É interessante a necessidade das lendas em preservar o princípio virginal à deusa, que mesmo quando violado, é reparado pelo matrimônio e, depois dele, restabelecido para que ela pudesse, finalmente, sentar-se no trono de ouro, reinando absoluta ao lado do marido no alto do Olimpo. Talvez por isto, Hera fosse a divindade que tinha elevada importância para as mulheres gregas, sendo sensivelmente cultuada por elas.

Esposa Fiel, Mãe Não Afetuosa
Hera assumia, diante do mito, a personificação da esposa ideal grega, que exigia de forma explícita a fidelidade do marido, fator fundamental para o equilíbrio do casamento. Se Hera reflete o lado tranqüilo e fiel do matrimônio, Zeus, por sua vez era o pai dos deuses e dos heróis gregos. Senhor absoluto do universo, cabendo a ele dar vida a uma prole sagrada e numerosa. Ao lado da esposa, o sentido procriador de Zeus é anulado, restrito à madre limitada da deusa. Diante das limitações, Zeus é um deus vulnerável às paixões, nascendo delas uma prole de grandes mitos, acendendo a ira e os ciúmes da esposa.
Hera é o princípio do lar, da esposa perfeita, mantendo o equilíbrio do casamento através da fidelidade exigida, mas jamais alcançada. Mas a deusa não se mostra como uma entidade procriadora, uma mãe exemplar! Sua prole é pobre de grandes mitos. Ao lado de Zeus, gera quatro filhos: Ares (Marte), o sanguinário e brutal deus da guerra, a entidade mais odiada no Olimpo; Ilítia, deusa menor da maternidade, protetora das mães na hora do parto; Hebe, representante divina da juventude eterna, que tinha como função servir aos deuses o néctar e a ambrosia; e, Hefestos (Vulcano), deus da metalurgia, do fogo, ferreiro oficial dos deuses e dos heróis. Hera teria, segundo vertentes da lenda, gerado sozinha, um quinto filho, Tifão, um monstro terrível, que trazia o corpo coberto por escamas, cabeças de dragão entre os dedos, lançando fogo dos olhos.
Para manter a estabilidade conjugal do matrimônio, Hera é a esposa universal, descolada da personificação de mãe afetuosa. Para não acender a ira do marido ao gerar um filho deficiente, Hefestos, que nasceu coxo, ela atira o recém nascido do alto do olimpo, rejeitando-o. Enciumada por Zeus ter gerado sozinho a bela Atena (Minerva), deusa da sabedoria, ela pede para que Gaia (Terra), conceda-lhe o poder de gerar sozinha um ser. Nasce Tifão, o monstro. As duas lendas personificam a preocupação dos gregos com as imperfeições genéticas. Tifão alimenta o princípio grego de que uma mulher sozinha é incapaz de gerar um ser perfeito. Hefestos resulta na preocupação dos gregos diante das deficiências genéticas dos filhos de casamentos entre parentes, Hera e Zeus são irmãos, daí a necessidade de demonstrar os perigos dessas uniões. É a forma mística, através dos deuses, de explicar à civilização antiga as falhas da genética.

Perseguidora Implacável dos Cônjuges Infiéis
O mito de Hera não ressalta a boa mãe, tão pouco a esposa ideal. É vingativa com Zeus, quando por ele é traída. Por várias vezes abandona o marido e o posto de rainha do Olimpo, como forma de punição às traições constantes que sofre. Mas, como exemplo do matrimônio perfeito, sabe ceder ao marido, e, para ele voltar quando aplacada a sua ira. Por seu lado, também Zeus volta arrependido aos braços da mulher, tão logo passa o torpor passional e, cumpre o papel de deus fecundador e pai de todos os mitos.
Se Zeus, após punição imediata, é perdoado pela esposa, as suas amantes e os seus filhos não têm igual sorte. Hera mostra-se implacável e agressiva com as rivais, perseguindo-as sem compaixão.
A bela Calisto, quando despertou a paixão de Zeus, foi transformada em uma ursa. Para evitar que Calisto fosse morta pelo próprio filho, um exímio caçador, Zeus transformou-os nas constelações Ursa Maior e Ursa Menor.
Io, outra ninfa que despertou o amor de Zeus, foi transformada em novilha e posta aos cuidados dos cem olhos vigilantes de Argo.
Sêmele, princesa tebana, foi vítima do ardil de Hera, que disfarçada, procurou a rival, convencendo-a a fazer Zeus mostrar diante da sua face o seu verdadeiro aspecto, sabendo que mortal algum sobreviveria à visão divina do deus. Tão logo arrancou a palavra do amante, Zeus mostrou-se como era, fazendo o palácio incendiar e, a infeliz Sêmele, morrer entre as chamas. A malograda princesa trazia no ventre Dioniso (Baco), o deus do vinho, salvo pelo pai, com a ajuda de Hefestos. Dioniso seria perseguido por Hera, assim como Héracles (Hércules), filho do amor roubado entre Zeus e Alcmena.
Ciumenta, vingativa, Hera perpetua através das suas lendas, as questões familiares, a necessidade de preservar o princípio da monogamia que era adotada pela civilização grega. Hera trazia princípios rígidos e moralistas, não admitindo nenhum desejo nefasto ou perverso a perturbar a legitimidade do matrimônio, a desconstrução da ordem familiar através dos amores ilícitos, dos idílios dos amantes. Hera era o exemplo que precisava a civilização grega em um momento que a monogamia tornava-se uma realidade moral a ser adotada.

Veneração à Deusa na Grécia Antiga
Senhora absoluta do matrimônio, defensora perpétua da fidelidade conjugal e dos seus valores morais dentro da sociedade grega, Hera era venerada no alto das montanhas, concentrando-se essencialmente no Peloponeso e regiões adjacentes. Em Argos encontrava-se o principal centro de seu culto. O fato deve-se à lenda em que tinha dado a Argo, ser mitológico que possuía cem olhos, de vigiar a rival, Io, metamorfoseada em novilha. Para livrar a amante de tal martírio, Zeus pediu a Hermes (Mercúrio), que a libertasse. Com uma faca, Hermes cortou a cabeça do vigilante. Ao ver a cabeça de Argo inerte no campo, Hera esbravejou contra os deuses, soltando grandes gritos de dor. No meio da dor, a deusa transformou os cem olhos do guardião nas penas de uma bela ave, que chamou de pavão. O pavão foi representado em várias obras de arte ao lado da deusa, tornando-se a sua ave predileta.
O maior templo de devoção dedicado à deusa era o Heraion, edificado no século V a.C., entre Argos e Micenas. Neste templo estava a mais célebre estátua de Hera, esculpida por Policleto (século V a.C.). Considerada a obra-prima do seu autor, a estátua apresentava a deusa como uma bela e jovem mulher, trazendo um olhar severo, diadema na cabeça, trajando uma túnica discreta, portando na mão o cetro, cuja extremidade estavam a granada (sua pedra preciosa) e o cuco, símbolos que representavam a fidelidade e o amor conjugal. Hera, para os gregos, personificava a esposa fiel, responsável absoluta pela boa relação entre os casais.

Juno, a Personificação do Mito de Hera em Roma
Em Roma o mito de Hera foi assimilado ao da já existente Juno, esposa fiel do poderoso Júpiter. Os romanos deram à deusa diversos atributos, ampliando as suas funções divinas e protetoras. As várias faces de Juno, suas funções extensas, fizeram os romanos atribuir-lhe vários epítetos, sendo eles:
Juno Pronuba, responsável pela realização dos casamentos. Juno Lucina, a poderosa deusa dos partos, que auxiliava as crianças na hora do nascimento e, protegia, também, as mulheres grávidas. Juno Lucetia, representava a luz celeste do princípio feminino, sendo a protetora de tais princípios. Juno Domiduca, condutora da virgem para a casa do esposo. Juno Ossipagina, fortificadora do feto durante a gravidez. Juno Populonia, deusa responsável pela multiplicação dos povos. Juno Rumina, que durante a gestação, conduzia a futura mãe para que ela tivesse leite forte e fosse boa nutriz. Juno Sospita, responsável pelo alívio da mãe diante do peso da criança na hora do parto.
O templo mais famoso erguido à deusa pelos romanos, foi o do Sanuvium, onde eram atribuídas honras a Juno Sospita.
A importância de Juno para os romanos foi adquirindo, através do tempo, funções não só como protetora dos partos e libertadora das mães, mas também libertadora do povo, sendo tomada como entidade protetora dos romanos nas diversas batalhas vitoriosas quando lutaram contra os seus inimigos. Na representação do mito nas artes, a imagem mais famosa é a da Juno Ludovisi, escultura que traz o rosto da deusa ovalado, com boca séria e olhos grandes, assumindo para o mundo, a imagem ideal da deusa.
Na Roma antiga, a principal festa em honra à deusa era a Matronalia, celebrada em fevereiro, realizada nas matas do Palatino, local de veneração à divindade. Após as homenagens, as atenções voltavam-se para as matriarcas, que recebiam dos maridos e filhos, presentes especiais. A Matronalia, é considerada por muitos, como a festança que originou o dia das mães. Também o mês de Junho do calendário atual, tem o seu nome derivado da deusa Juno.

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