segunda-feira, 19 de setembro de 2011

JOHANNES VERMEER (1632-1675)

   Chamado “Esfinge de Delft” devido ao mistério sobre sua vida, VERMEER nasceu, morou e trabalhou por toda a sua vida na cidade de Delft, muito conhecida por sua produção cerâmica. Parece nunca ter deixado aquela cidade até morrer, falido, aos 43 anos, deixando mulher e onze filhos. Poucos são seus quadros sobreviventes, apenas 36 quadros pequenos.

   Infelizmente o que nós sabemos sobre sua história é muito pouco. A documentação existente é escassa e confusa. Essa falta de informações precisas aliada à beleza de sua obra fez surgir diversas especulações sobre o artista, de modo que ele acabou por se tornar um dos grandes mitos da História da arte. De sua vida profissional sabemos pouca coisa; de sua vida pessoal, quase nada.


   Os historiadores dizem que a vida de Vermeer não foi fácil, talvez até imensamente sofrida. Ele viveu no chamado século de ouro da Holanda: um momento de grande prosperidade econômica que, enquanto enriquecia o país, fez surgir um excedente de artistas que competiam arduamente entre si, buscando se destacar e assim sobreviver.

Como país protestante, não havia na Holanda o comitente absoluto da arte dos países católicos: a Igreja. Assim, Vermeer viveu em meio a inúmeras e sérias dificuldades financeiras, uma vez que o trabalho como pintor não lhe permitia ganhar o suficiente para manter a enorme família: esposa e, pelo menos, onze filhos. Não sabemos o número exato, mas é certo que na ocasião de sua morte ainda restavam oito filhos menores.

   Além da pintura, ele trabalhou com o comércio de objetos de arte e, com a morte de seu pai, herdou uma taverna, o que lhe ajudou ganhar um pouco mais. Mas, mesmo assim, não era o suficiente, e em alguns anos ele acumulou várias dívidas. Com sua morte, a esposa, Catharina, uma mulher vinda de família rica, agora sozinha e com os oito filhos menores, herdou todas as suas dívidas. Muitas das pinturas do marido foram então dadas em garantia de pagamentos, inclusive de comida. E essa é uma das possíveis razões pelas quais sua obra se dispersou e perdeu.

   Vermeer quase nunca assinava seus quadros e, quando assinava, não o fazia da mesma maneira. Por isso, suas obras são identificadas pela análise do estilo por especialistas. E nem todos concordam entre si. Atualmente, o conjunto da obra de Vermeer considerado autógrafo (original) é bem pequeno, e pode ser reduzido a um número que varia entre vinte e um e trinta e cinco quadros. Mas são vários os casos de falsificações e de atribuições errôneas.

Enquanto viveu, Vermeer foi muito bem considerado como artista, mas foi logo esquecido após a morte e assim permaneceu por duzentos anos. Sua fama só foi restabelecida na segunda metade do século XIX, ao mesmo tempo em que os impressionistas faziam sua aparição no cenário artístico. Isso pode ser explicado por uma afinidade de sensibilidades no trato da interpretação visual do mundo entre esse holandês dos Seiscentos e os impressionistas.

Deduz-se que Vermeer foi um homem curioso e interessado pelos progressos científicos. Na elaboração de suas obras, ele empregou um dispositivo que projetava a imagem que tinha à frente diretamente na tela a ser pintada: era a câmera escura.

   Esse dispositivo (uma espécie de ancestral da máquina fotográfica) permitiu a criação de efeitos de ótica específicos como, por exemplo, a amplificação dos primeiros planos das composições e a divisão da luz, que se espalha sobre as superfícies em inúmeros e pequenos pontos.

A “descoberta” de Vermeer à mesma época da ascensão do movimento impressionista não é casual: a representação da luz que dilui os contornos dos objetos é o grande tema impressionista e elemento muitíssimo importante também na obra vermeeriana.

Quanto aos assuntos pintados por Vermeer, eles fazem parte do leque aberto pelas inovações do barroco protestante, onde a distância das tendências grandiloquentes da temática religiosa favoreceu amplamente o desenvolvimento de temas pouco usuais até então e anteriormente menosprezados: a paisagem, as naturezas-mortas e a chamada “pintura de gênero”: imagens do cotidiano de seres comuns, destituídas de qualquer heroísmo. À exceção de duas paisagens urbanas (duas vistas de Delft), Vermeer pintou apenas cenas de gênero, nas quais podemos encontrar eventualmente a inserção dos arranjos das naturezas-mortas.

 
Vista de Delft por Vermeer


   Nos espaços internos das casas, os atos são descobertos pela luz que brinca suavemente. Uma luz sempre difusa, branda, filtrada por uma janela invariavelmente colocada à esquerda da composição e, muitas vezes, oculta, fora dos limites do quadro. Esta luz inunda os ambientes, cintila de modo fugaz aqui e ali, revelando o metal, o vidro, a pérola, o veludo, o cetim... e enquanto descobre os volumes, preenche os espaços, reveladora de um universo da sensualidade, da materialidade, que nos pede para ser tocado, analisado, percebido e vivido. O detalhe é quase da ordem da preciosidade. 

   Vermeer possuía o domínio da luz. Enquanto outros pintores usavam uma gama cinza/verde/marrom, suas cores eram mais puras, com uma intensidade de brilho jamais vista.
   Além da maestria na cor e na luz, as composições perfeitamente equilibradas, de formas retangulares, emprestavam serenidade e estabilidade a seus quadros.

   Uma tela típica retrata um aposento limpo, fracamente iluminado por uma janela à esquerda e uma figura empenhada numa simples tarefa doméstica. O que eleva o tema acima da banalidade é a incisiva representação da realidade visual, as cores perfeitamente verdadeiras para o olho e a luz suave que se irradia pela sala.

   Seus quadros não contêm história, paixão ou evento. Seu verdadeiro tema é a luz, suave, doce, quase palpável, vagando pelas diversas superfícies da imagem.

   Seu manuseio das tintas também foi revolucionário. Embora as pinceladas pareçam planas e detalhadas nas reproduções, VERMEER frequentemente aplicava a tinta em esfregadelas e pontilhados de modo que a superfície saliente de um ponto na pintura refletisse mais luz, dando vibração e textura tridimensional, mais áspera. Essa técnica se aproximava do pontilhismo dos impressionistas.

   Um crítico descreveu essa superfície como uma “mistura de pérolas socadas”.

- Composição ortogonal;
- Ângulos retos e edifícios pela metade;
- Instiga o nosso voyeirismo;
- Requer velaturas e camadas de cores transparentes. A Hollanda por ser fria a tinta demora mais tempo para se secar e o acúmulo de camada de cor atinge um efeito através de muitas cores.
“Mulher de azul, lendo uma carta”, 1664.

    Uma das obras mais tocantes de Vermeer e mais ricas de sugestões. Traz a personagem feminina de pé, como um grande volume rotundo, pois ela está em estado de gravidez adiantada, no centro de um espaço cúbico assinalado por diagonais (a mesa e a cadeira enviesadas), que marcam a profundidade típica da pintura barroca, e por sugestões de continuidade para fora da composição (o mapa ao fundo cortado, a mesa à esquerda, cortada; a janela que não se vê, mas traz a luz).

A paleta (a cor) bastante restrita, em gradações de azul e marrom, contribui para o destaque dos volumes. Em silêncio, num canto isolado de uma casa holandesa qualquer, à luz de uma janela, uma mulher grávida lê uma carta. E, na aparente “pobreza” de uma composição despojada, um universo de sugestões se abre para nós.
“O astrônomo”, 1688
 
 
A criada de cozinha” (1658)
 
   Além da maestria na cor e na luz, as composições perfeitamente equilibradas, de formas retangulares, emprestavam serenidade e estabilidade a seus quadros. Uma tela típica retrata um aposento limpo, fracamente iluminado por uma janela à esquerda e uma figura empenhada numa simples tarefa doméstica. O que eleva o tema acima da banalidade é a incisiva representação da realidade visual, as cores perfeitamente verdadeiras para o olho e a luz suave que se irradia pela sala. Seus quadros não contém história, paixão ou evento. Seu verdadeiro tema é a luz, suave, doce, quase palpável, vagando pelas diversas superfícies da imagem.  
 
   Seu manuseio da tinta também foi revolucionário. Embora as pinceladas pareçam planas e detalhadas nas reproduções, Vermeer frequentemente aplicava a tinta em esfregadelas e pontilhados de modo que a superfície saliente de um ponto na pintura refletisse mais luz, dando vibração e textura tridimensional mais áspera. Essa técnica se aproximava do pontilhismo dos impressionistas. Um crítico descreveu essa superfície como uma “mistura de pérolas socadas”.
 
   Esse método de definir as formas, não com linhas, mas com pontinhos de luz é evidente em “A Criada de Cozinha”, especialmente no contorno da abertura da jarra de leite, um mosaico de manchinhas. Vermeer foi também um mestre na variação de intensidade da cor em relação à distância entre o objeto e a fonte de luz. O pão crocante captura a luz mais forte e a reflete através de toques precisos de impasto (tinta aplicada em camada grossa).
 
Atento demais aos pormenores, para evitar a monotonia da parede caiada de branco. Vermeer acrescentou-lhe manchas, buracos e até um prego. A composição é tão equilibrada e coesa que remover apenas um dos elementos ameaçaria a estabilidade do quadro. Embora despida de incidentes dramáticos, a absoluta concentração da criada na tarefa confere ao trabalho um ar majestoso, embora retratando o cotidiano do gênero baixo.
 
   A respeito de Vermeer, um crítico observou que: “Nenhum pintor holandês homenageou tanto a mulher.”

“A lição de música”

   Resta-nos a impressão de que nenhuma palavra poderia substituir a imagem. Somente uma pessoa que tenha uma grande sensibilidade e delicadeza de alma conseguiria apanhar (e representar) o instante muito rápido, a fração de segundo em que brilham nos olhos, ou fazem parar os gestos os sentimentos mais verdadeiros, desvelados, porque no instante seguinte esses mesmos sentimentos se escondem por alguma razão. Ele pinta esse exato momento: o instante para o qual não existem palavras.

   O silêncio entre as duas personagens é reforçado pela amplidão e vazio do primeiro plano. A sala torna-se ainda maior por estar refletida no espelho, e o vazio também se amplifica. O silêncio revela a tensão. A moça, deslocada à direita, nos sugere desejar aproximar-se do homem, seu professor. Assim, deslocada, não pode tocar o instrumento. Seus ombros sugerem o esmorecer dos braços, que parecem brincar com as teclas porque não conseguem fazer outra coisa. Os olhos baixos nos falam de timidez e hesitação. O homem responde à aproximação oferecendo o seu braço direito. Permanece imóvel, contido, talvez inibido, porém a esperar. As duas figuras se unem somente pelo encosto da cadeira atrás deles.

“Moça com brinco de pérola”
 
   Essa mistura de contenção e desejo aparece outra vez na “Moça com brinco de pérola” obra que, não à toa, foi chamada de algo como “a Monalisa nórdica”. Ela nos olha, ou olha o pintor, no mesmo momento em que deixa escapar o seu segredo. Então quer fugir ela própria, desaparecer na sombra do fundo.

   Assim é Vermeer, e poderíamos falar ainda muito mais. Estupendo é esse artista que nos faz ir e vir do prosaico e corriqueiro ao insólito, que nos conduz do concreto ao intangível. Revendo sua obra, passeamos em meio a mais construída realidade, onde repentinamente nos damos conta de que todos aqueles pensamentos, sentimentos e toda a inquietude retratada talvez pertençam também a nós.

“Mulher sentada ao virginal”, 1673-75.

   A luz que incide sobre os objetos, dá solidez às formas. O desenho dos instrumentos musicais é formado pelo grau de luminosidade de cada plano, que se encontram e definem os contornos. O plano escuro, ao fundo do violoncelo e do virginal, contrasta com estes objetos, trazendo-os para perto. A presença de sombras transparentes e de brancos suaviza a relação entre as cores, em particular entre os azuis frios e os amarelos e ocres alaranjados.

   A forma de caixa retangular do virginal, inserida na perspectiva da sala, cria uma relação espacial de equilíbrio entre a figura e o ambiente. Todos os elementos se relacionam numa construção organizada, da qual participam formas geométricas, orgânicas, linhas verticais, horizontais, curvas e diagonais. A concepção formal do quadro é claramente ordenada, seguindo os padrões de equilíbrio da arte clássica - característica presente em toda a obra de Vermeer.


   Na parede encontramos pendurado A Alcoviteira, quadro do artista holandês Dirck van Baburen (1595-1624), que pertenceu à sogra de Vermeer (não se sabe se o original ou uma cópia). Talvez por isso ele conhecesse muito bem essa pintura de Baburen, pois a encontramos em outra de suas obras, "O concerto".

Acredita-se que Vermeer morou com sua sogra, que tinha uma boa condição econômica e mantinha uma casa com onze cômodos.

No quadro Mulher sentada ao virginal, á jovem figura feminina veste uma roupa elegante e abundante em tecidos minuciosamente pintados em suas pregas volumosas, criando uma área de interesse para o nosso olhar. A cor azul da parte de cima do vestido possui muito brilho e se harmoniza com a parte amarela da roupa que está na sombra. A pele alva e muito lisa da personagem dá certa artificialidade à expressão do rosto e à representação dos braços.

O momento de solidão da figura é quebrado pelo seu olhar voltado para aquele que chega repentinamente: o artista, o espectador. O violoncelo no primeiro plano nos remete a possibilidade de outra presença, que acomodou ali seu instrumento para um breve momento de ausência.

A arte tranquila, silenciosa e contemplativa de VERMEER representa uma espécie de classicismo, sem a influência da antiguidade clássica. Ele foi o grande mestre da pintura de gênero que teve por tema a vida da burguesia holandesa.

Damas e cavalheiros, separadamente ou juntos; ocupam os seus interiores cuidadosamente mobiliados falando, lendo ou escrevendo ou escrevendo cartas, bebendo ou servindo leite ou, como neste quadro, tocando música.

O instrumento é uma espineta, uma primeira versão do clavicórdio, tendo no lado interno do tampo erguido a inscrição “Musica Letitiae Comes Medicina Dolorum” (“A Música é a companheira da alegria, o bálsamo das dores”).

O quadro também exemplifica a representação controlada da luz do dia e, na parede do fundo, o gosto de VERMEER por um motivo geométrico de retângulos.

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