quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O Jeca Tatu de Monteiro Lobato

 

Jeca Tatu era um pobre caboclo que morava no mato, numa casinha de sapé. Vivia na maior pobreza, em companhia da mulher, muito magra e feia e de vários filhinhos pálidos e tristes.
Jeca Tatu passava os dias de cócoras, pitando enormes cigarrões de palha, sem ânimo de fazer coisa nenhuma. Ia ao mato caçar, tirar palmitos, cortar cachos de brejaúva, mas não tinha idéia de plantar um pé de couve atras da casa. Perto um ribeirão, onde ele pescava de vez em quando uns lambaris e um ou outro bagre. E assim ia vivendo.

Dava pena ver a miséria do casebre. Nem móveis nem roupas, nem nada que significasse comodidade. Um banquinho de três pernas, umas peneiras furadas, a espingardinha de carregar pela boca, muito ordinária, e só.

Todos que passavam por ali murmuravam:
Que grandíssimo preguiçoso!
Jeca Tatu era tão fraco que quando ia lenhar vinha com um feixinho que parecia
brincadeira. E vinha arcado, como se estivesse carregando um enorme peso.
Por que não traz de uma vez um feixe grande? Perguntaram-lhe um dia.
Jeca Tatu coçou a barbicha rala e respondeu:

Não paga a pena.
Tudo para ele não pagava a pena. Não pagava a pena consertar a casa, nem fazer uma horta, nem plantar arvores de fruta, nem remendar a roupa.

Só pagava a pena beber pinga.
Por que você bebe, Jeca? Diziam-lhe.
Bebo para esquecer.
Esquecer o quê?
Esquecer as desgraças da vida.


E os passantes murmuravam:
Além de vadio, bêbado...
Jeca possuía muitos alqueires de terra, mas não sabia aproveitá-la. Plantava todos os anos uma rocinha de milho, outra de feijão, uns pés de abóbora e mais nada. Criava em redor da casa um ou outro porquinho e meia dúzia de galinhas. Mas o porco e as aves que cavassem a vida, porque Jeca não lhes dava o que comer. Por esse motivo o porquinho nunca engordava, e as galinhas punham poucos ovos.
Jeca possuía ainda um cachorro, o Brinquinho, magro e sarnento, mas bom companheiro e leal amigo.
Brinquinho vivia cheio de bernes no lombo e muito sofria com isso. Pois apesar dos ganidos do cachorro, Jeca não se lembrava de lhe tirar os bernes. Por que? Desânimo, preguiça...
As pessoas que viam aquilo franziam o nariz.
Que criatura imprestável! Não serve nem para tirar berne de cachorro...
Jeca só queria beber pinga e espichar-se ao sol no terreiro. Ali ficava horas, com o cachorrinho rente; cochilando. A vida que rodasse, o mato que crescesse na roça, a casa que caísse. Jeca não queria saber de nada. Trabalhar não era com ele.

Perto morava um italiano já bastante arranjado, mas que ainda assim trabalhava o dia inteiro. Por que Jeca não fazia o mesmo?
Quando lhe perguntavam isso, ele dizia:
Não paga a pena plantar. A formiga come tudo.
Mas como é que o seu vizinho italiano não tem formiga no sítio?
É que ele mata.
E porque você não faz o mesmo?
Jeca coçava a cabeça, cuspia por entre os dentes e vinha sempre com a mesma história:

Quá! Não paga a pena...
Além de preguiçoso, bêbado; e além de bebado, idiota, era o que todos diziam.

Um dia um doutor portou lá por causa da chuva e espantou-se de tanta miséria. Vendo o caboclo tão amarelo e chucro, resolveu examiná-lo.
Amigo Jeca, o que você tem é doença.

Pode ser. Sinto uma canseira sem fim, e dor de cabeça, e uma pontada aqui no peito que responde na cacunda.
Isso mesmo. Você sofre de anquilostomiase.
Anqui... o quê?
Sofre de amarelão, entende? Uma doença que muitos confundem com a maleita.
Essa tal maleita não é a sezão?
Isso mesmo. Maleita, sezão, febre palustre ou febre intermitente: tudo é a mesma coisa, está entendendo? A sezão também produz anemia, moleza e esse desânimo do amarelão; mas é diferente. Conhece-se a maleita pelo arrepio, ou calafrio que dá, pois é uma febre que vem sempre em horas certas e com muito suor. O que você tem é outra coisa. É amarelão.

O doutor receitou-se o remédio adequado; depois disse: "E trate de comprar um par de botinas e nunca mais me ande descalço nem beba pinga, ouviu?"
Ouvi, sim, senhor!

Pois é isso, rematou o doutor, tomando o chapéu. A chuva passou e vou-me embora. Faça o que mandei, que ficará forte, rijo e rico como o italiano. Na semana que vem estarei de volta.
Até por lá, sêo doutor!
Jeca ficou cismando. Não acreditava muito nas palavras da ciência, mas por fim resolveu comprar os remédios, e também um par de botinas ringideiras.

Nos primeiros dias foi um horror. Ele andava pisando em ovos. Mas acostumou-se, afinal...

a história também pode ser encontrada neste link:

http://www.miniweb.com.br/literatura/artigos/jeca_tatu_historia1.html

http://www.brasilcultura.com.br/literatura/monteiro-lobato-jeca-tatuzinho/


Curiosidade

Jeca-tatu01

Monteiro Lobato e a gênese do Jeca Tatu

As expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz, no início do século 20, permitiram um maior conhecimento das moléstias que assolavam o país e possibilitaram a ocupação e a integração do interior brasileiro. "O Brasil é um país doente", diziam os pesquisadores. O contato de Monteiro Lobato com os trabalhos de Belisário Pena e Arthur Neiva, levou o criador de Emília a alterar completamente a concepção de um de seus famosos personagens, o Jeca Tatu, e engajar-se numa campanha pelo saneamento do país.
Monteiro Lobato improvisou-se de fazendeiro ao herdar terras de seu avô. Em 1917, uma seca terrível assola a região. O problema era agravado pelas queimadas, executadas pelo povo da roça; Lobato indignado, (...) escreveu uma carta de protesto ao jornal Estadão, com o título "A velha praga":
"Este funesto parasita da terra é o caboclo, espécie de homem baldio, seminômade, inadaptável à civilização..."

Foi pouca a repercussão do primeiro artigo, mas Lobato voltou a tratar do assunto em Urupês. Surgia o Jeca Tatu, nome que se generalizou no país todo como sinônimo de caipira. Jeca Tatu tornou-se, segundo Rui Barbosa, "símbolo de preguiça, fatalismo, de sonolência e imprevisão, de esterilidade e tristeza, de subserviência e embotamento".

Mas a convivência com os pesquisadores levou Lobato a rever totalmente sua concepção de Caboclo. E, no prefácio da quarta edição de Urupês, o autor retificou: "Eu ignorava que eras assim, eu caro Jeca, por motivo de doenças tremendas. Está provado que tens no sangue e nas tripas todo um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte".

Indignado com a situação do país, Monteiro Lobato iniciou uma vigorosa campanha jornalística em favor do saneamento. Expôs sem pudores a realidade nacional, apresentando estatísticas: 17 milhões com ancilostomose, 3 milhões com Chagas, 10 milhões com malária. "O véu foi levantado. O microscópio falou". Censurou também o descaso das elites: "Legiões de criancinhas morrem como bichos de fome e verminose. Nós abrimos subscrições para restaurar bibliotecas belgas".

A campanha acabou forçando o goerno a dar atenção ao problema sanitário. Criou-se uma campanha de saneamento em São Paulo, o código sanitário foi remodelado e transformado em lei. Monteiro Lobato achava necessário não mobilizar apenas as elites, mas alertar e educar o povo, principal vítima da falta de saneamento. Escreveu então Jeca Tatu - a ressurreição. O conto, mas conhecido como Jeca Tatuzinho, serviu de inspiração para uma história em quadrinhos bastante popular, que foi divulgada em todo país por meio de um almanaque. Jeca, considerado preguiçoso e idiota por todos, descobre que sofre de amaraelão. Trata-se. E transforma-se em fazendeiro rico.

(Fonte: Ana Palma - Agência Fiocruz de Notícias; extraído do livro Biologia de Mendonça e Laurence, editora Nova Geração, vol.2, 2011)

Importância do Jeca Tatu no cenário brasileiro

Jeca Tatu está presente no livro Urupês, da saga criada por Monteiro Lobato. Jeca é a imagem do ser legado ao abandono pelo Estado, à mercê de enfermidades típicas dos países atrasados, da miséria e do atraso econômico.
 
A imagem de Jeca Tatu foi utilizada como instrumento em operações de esclarecimento sobre a importância do saneamento público e a urgência em erradicar doenças como o amarelão, que matava tantas pessoas nos anos 20. Como afirmava Lobato, “Jeca Tatu não é assim, ele está assim”, vitimado pelo desprezo de um governo nada preocupado com esta camada social.
 
Jeca era um caipira de aparência desleixada, com a barba pouco densa, calcanhares sempre desnudos, portanto rachados, pois ele detestava calçar sapatos. Miserável, detinha somente algumas plantações de pouca monta, apenas para sua sobrevivência. Perto de sua habitação havia um pequeno riacho, no qual ele podia pescar. Sem cultura, ele não cultivava de forma alguma os necessários hábitos de higiene.
 
Residente no Vale do Paraíba, em São Paulo, região muito arcaica, era visto pelas pessoas como preguiçoso e alcoólatra. A questão da saúde transparece no enredo quando um médico, ao cruzar o seu caminho, passa diante de sua tosca residência e se assusta com tanta pobreza. Notando sua coloração amarela e a intensa magreza, decide examinar o caboclo.
 
O paciente se queixa de muita fadiga e dores corporais. O doutor então diagnostica a presença de uma enfermidade tecnicamente conhecida como ancilostomose, o famoso amarelão. Ele orienta Jeca a usar sapatos e a tomar os remédios necessários, pois os vermes que provocam este distúrbio orgânico introduzem-se no corpo através da pele dos pés e das pernas.
 
A vida de Jeca muda radicalmente. Ele se cura, volta a trabalhar, reduz a bebida, sua pequena plantação prospera e o trabalhador se torna um homem honrado pelas outras pessoas. A família Tatu agora só anda calçada e, portanto, saudável. É assim que Monteiro Lobato denuncia a precária situação do trabalhador rural; ele revela que medidas simples poderiam transformar este cenário sombrio. Este personagem se torna o símbolo do brasileiro que vive no campo.
 
Fontes:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Jeca_Tatu
http://www.ibb.unesp.br/departamentos/Educacao/Trabalhos/obichoquemedeu/ancilostomose_jeca_tatu.htm

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