terça-feira, 13 de março de 2012

Brás Bexiga e Barra Funda, de Alcântara Machado


Análise da obraAlcântara Machado publicou Brás, Bexiga e Barra Funda, em 1927, sendo sua segunda publicação. A obra, da primeira fase do Modernismo, tem, ao invés de um prólogo, um artigo de fundo e o autor confessa que os contos não nasceram contos, mas sim notícias. Alcântara Machado busca fixar tão somente alguns aspectos da vida quotidiana dos novos mestiços nacionais e nacionalistas. Seu processo lingüístico é imitável, inimitável é o espírito, o estilo, animado por uma verve, uma graça e um humor absolutamente pessoais.

Estrutura

O livro é montado através de pequenos quadros sobre o cotidiano pobres de São Paulo, juntando episódios de rua, que o próprio autor intitulava de “notícias”. São 11 contos da mais bem-humorada prosa cubo-futurista, onde vai juntando quadros urbanos que ficam entre a crônica, a notícia e o conto leve.

É possível estabelecer uma aproximação entre Alcântara Machado e Lima Barreto pela atitude jornalística de ambos e pela preferência na retratação do proletariado — os filhos dos carcamanos, no primeiro, e o homem do subúrbio, no segundo.

Os contos mantêm uma característica fundamental do gênero que é a densidade. Todos são curtos e apresentam os elementos mínimos indispensáveis, sem alongar-se em qualquer descrição de cenário ou de personagem. Apresenta apenas os dados essenciais para que a narrativa possa ancorar no espaço desejado, valorizando o mapeamento da cidade, por isso, são freqüentes as citações de nome de ruas e de bairros.

Espaço / Tempo

O espaço é essencialmente urbano, com suas dificuldades e com a luta das pessoas para nele se adaptarem. Podemos dividi-lo em espaço interno, fechado, mostrando as pessoas em casa, no seu viver cotidiano, seja numa condição não muito comum, como o velório, seja na rotina diária, como uma refeição ou conversação informal.

O tempo é cronológico e alguns contos apresentam unidade de tempo, como: Lisetta, Corinthians (2) x. Palestra (1), O monstro de rodas, Armazém Progresso de São Paulo, desenvolvendo-se a ação num só dia. Outros contos, porém, já não apresentam essa unidade, com a ação alongando-se por mais de um dia, numa seqüência revelada de modo elíptico, muitas vezes representado simbolicamente pela duplicação do espaço em branco, que separa um parágrafo do outro, uma ação da outra, num corte cinematográfico. Exemplo disso são os contos: Gaetaninho, Carmela, Tiro-de-guerra 35, Amor e sangue, A sociedade, Nacionalidade.

Foco narrativo

Narrado em 3ª pessoa a modernidade se revela através do jogo de fragmentos, reunindo lances da vida urbana de imigrantes e paulistas tradicionais numa cidade em franco progresso. Entre os elementos mais destacadamente modernos do livro, está a sua forma narrativa, feita em blocos, que funcionam como cenas.

O principal processo narrativo em Brás, Bexiga e Barra Fundaé o diálogo — o diálogo ponto de vista da narrativa, o diálogo revelador de caracteres e o diálogo sugestão de ambientes, ou ainda o discurso indireto vivo, uma forma de dialogação polifônica.

No conto Gaetaninho, esses processos realizam-se através da libertação da construção tradicional da frase e do aproveitamento da vivacidade do coloquial, na visão do menino que brinca, é castigado, sonha com a morte da tia só para andar de carro e morre atropelado.

Linguagem

Quanto à linguagem  propriamente dita, ela é o elemento igualmente central do caráter moderno do livro. Uma das marcas de Brás, Bexiga e Barra Funda é a leveza conseguida por meio do discurso direto, predominante na obra. As personagens têm a oportunidade de falar diretamente por meio dos diálogos, exprimindo suas emoções, tristezas e esperanças com toda a carga expressiva e a coloquialidade que lhes é característica. Os diálogos propiciam também maior sensação de realismo e de proximidade entre personagens e leitor. A história ganha em dinamismo e, graças à sutil ironia de Alcântara Machado, em humor. Além do mais, a leitura dos 11 pequenos contos reunidos nesta obra faz que sintamos o processo de abrasileiramento do italiano.

Antônio de Alcântara Machado traz na linguagem uma marca muito própria dos modernistas da primeira geração: a recusa à linguagem empolada, retórica, cheia de volteios. Ao contrário sua linguagem é marcada pelo estilo telegráfico, conciso. As frases são na sua maioria formadas por orações coordenadas e curtas, garantindo sempre um mesmo ritmo ao texto:

Foi-se chegando devagarinho, devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do Chinelo parou. Balançou o corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu meia volta e varou pela esquerda porta adentro.

Personagens

Os personagens são “planos”, superficiais, não apresentam transformações surpreendentes durante a narrativa. As personagens são apresentadas de modo sumário e rápido, embora não seja uma caricatura, apesar do humor. Alguns são verdadeiros tipos como Carmela e Salvatore Melli, mas outros também apresentam uma base psicológica como Gaetaninho.

Na busca pela adaptação cultural e econômica, encontramos as costureirinhas curiosas pelo mundo do qual não fazem parte, mas conscientes de que devem continuar a fazer suas famílias na colônia, as crianças vítimas do preconceito, da pobreza e da injustiça que cerca o imigrante de classe mais baixa, os comerciantes gananciosos e suas famílias buscando uma posição social, os jovens trabalhadores e apaixonados, os quatrocentões paulistas, nobres e falidos, diante dos “carcamanos” endinheirados e “sem berço”.

Problemática e temas principais

Os temas mais recorrentes nos contos da obra em análise são:

1. A luta do Italiano pobre para conseguir seu dinheiro (Tiro-de-Guerra nº 35, Nacionalidade).

2. Ascensão social do italiano (Notas Biográficas do Novo Deputado, Nacionalidade).

3. Integração do italiano com o brasileiro (A Sociedade).

4. O despreparo da cidade e dos adultos com relação à criança que não tem um espaço adequado nem uma atenção necessária, quebrando a cara e a cabeça (Gaetaninho, O Monstro de Rodas).

5. Crítica social — Embora tenha avisado no “artigo de fundo” que não faria crítica ou denúncia social, podemos dizer que não é verdade, embora não o faça como narrador, mas coloca na boca das personagens várias pílulas críticas como em O Monstro de Rodas, quando alguém comenta: “Não conhece a podridão da nossa imprensa. Que o quê, meu nego. Filho de rico manda nesta terra que nem a Light. Pode matar sem medo. É ou não é, seu Zamponi?”

6. Obra datada — Sua obra fica prejudicada por determinadas técnicas que tornam a obra muito datada, dificultando para os leitores jovens de hoje a sua total apreensão. Algumas dessas técnicas são:

— emprego de gírias que já foram esquecidas (estava achando um suco = achava muito bom);

— nome de produtos que deixaram de ser fabricados (cláxon);

— o mapearmento da cidade de São Paulo (Rua do Gazômetro, Rua do Oriente);

7. Nomes de firmas ou de lojas que deixaram de existir (vestido do Camilo, Ao Chic Parisiense);

8. Referências a fatos ou acontecimentos que desapareceram da memória de quase todo mundo.

Enredo dos contos

1. Gaetaninho -
A narrativa é feita em terceira pessoa, com narrador onisciente e tem como espaço a Rua do Oriente. As personagens que a compõem são os italianinhos ou "intalianinhos"; a protagonista é Gaetaninho, maluco por futebol a ponto de ficar o dia inteiro jogando bola de meia na rua, com os amigos. Ficava tão concentrado que não vê o Ford, a carroça. Mas

"Grito materno sim: até filho surdo escuta. Virou o rosto tão feio de sardento, viu a mãe e viu o chinelo.

- Súbito!

Foi-se chegando devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do chinelo parou. Balançou o corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu meia volta instantânea e varou pela esquerda porta adentro.

Eta salame de mestre!"

Ali na rua do Oriente, todo mundo era pobre e todo mundo andava de bonde. De automóvel ou carro, só mesmo quando morria alguém ou alguém casava. Naquela tarde, por exemplo, Beppino tinha atravessado a cidade de carro, acompanhando tia Peronetta que se mudava para o Araçá (tia Peronetta havia morrido e esta é uma forma popular de dizer que ela fora enterrada no Araçá).

Gaetaninho driblou a mãe, entrou.

Enfiou a cabeça debaixo do travesseiro e sonhou que tia Filomena tinha morrido. Lá ia Gaetaninho na boléia, sonho antigo de menino, vestido de roupa marinheira e gorro onde se lia "Encouraçdo São Paulo"... não, melhor com a palhetinha nova que ganhara de presente do irmão.

Quando contou o sonho, e no sonho vira o Savério, noivo de tia Filomena, chorando, a tia teve uma taque de nervos, Gaetaninho , arrependido, colocou no lugar da tia o seu Rubino, que era acendedor da Companhia de Gás e que um dia tinha lhe dado um cocre.

Os irmãos, depois de contado o sonho com a tia Filomena, apostaram no elefante, mas deu a vaca no jogo do bicho...

Gaetaninho vai brincar outra vez com os amigos, jogando bola. Distraiu-se:

- Traga a bola!

Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcançar a bola um bonde o pegou. Pegou e matou.

No bonde vinha o pai do Gaetaninho.

A gurizada assustada espalhou a notícia na noite.

- Sabe o Gaetaninho?

- Que é que tem?

- Amassou o bonde!

A vizinhança limpou com benzina suas roupas domingueiras.

Comentário: Neste conto pode-se notar no comportamento dos meninos uma demonstração de impiedade natural que tanto pode ser fruto da própria idade, quanto da vida urbana moderna. Percorre o texto um humor negro, resultado de uma ironia amarga.

2. Carmela - Carmela sai da oficina às 18h30, em meio a muitas outras costeirinhas "que riem, falam alto, balançam os quadris como gangorras." Os automóveis, com sua buzinas gritadoras, lotam a rua Barão de Itapetininga.

Bianca, feia e estrábica, caminha ao lado da amiga Carmela, em meio aos automóveis e os homens namoradores. É dela uma espécie de sentinela.

Um rapaz que usa óculos para o Buick de propósito na esquina. O Ângelo espera na Rua Barão. Carmela está interessada nele:

"Bianca retarda o passo.

Carmela continua no mesmo. Como se não houvesse nada. E o Ângelo junta-se a ela. Também como se não houvesse nada. Só que sorri.

- Já acabou o romance?

- A madama não deixa a gente ler na oficina."

Vão caminhando juntos, falando do baile de amanhã, o Buick passa e repassa, Bianca é perguntada pelo motorista sobre onde mora a Carmela. Mesmo que esteja acompanhada de outro, o rapaz do Buick não dá sossego...

Bianca entrega tudo: como se chama a amiga, onde mora, rua, número, bairro. E o moço ainda deixa com ela um recado: "- Diga a ela que eu a espero amanhã de noite, às oito horas, na rua... não... atrás da Igreja de santa Cecília. Mas que ela vá sozinha, hein? Sem você. O barbeirinho também pode ficar em casa."

O barbeirinho era o Ângelo, entregador da Casa Clark...

No outro dia, vai encontrar-se com ele a Carmela; leva junto a Bianca e ambas concordam em dar uma volta no Buick do rapaz.

No domingo seguinte, quando vai à casa da amiga, Bianca a encontra raspando a sobrancelha e anunciando que não vai dar voltas de carro com os dois. Querem estar sozinhos. Bianca chama Carmela de vaca...

Depois de deixar a amiga com o caixa d'óculos, despeitada, encontra uma amiga do bairro e conta tudo sobre Carmela e o rapaz rico. Espantada, a amiga pergunta pelo Ângelo. E recebe a resposta inusitada:

"- O Ângelo/ O outro é outra coisa. É pra casar."

Comentário: Chamamos a atenção para uma tradição na “paquera" daqueles tempos: a moça feia seguia sempre na carona da bonita, mas ficava para trás (como no começo do conto) quando a outra ia falar com o rapaz, e era deixada de lado, logo que o namoro estava garantido. Nota-se também a coloquialidade, característica do Modernismo, permitindo registrar a linguagem viva das ruas.

Alcântara Machado revela, de maneira concisa, sugestiva, a psicologia
da mulher nesses novos tempos. O amor único, romântico, não é valor fundamental, por isso, Carmela mantém um namorado para casar e outro para divertir-se, mas sem compromisso.

Tiro de guerra nº 35 - Foi no grupo escolar da Barra Funda que o Aristodemo Guggiani aprendeu a roubar no jogo de gude e a amar o Brasil. Cantava o Hino Nacional com voz bem entoada e , berrando, puxava o coro. Quando a campanhai tocava, o pessoal da classe "desembestava pela Rua Albuquerque Lins vaiando o seu Serafim."

Quando saiu do Grupo escolar, já fumando cigarros Bentevi, foi trabalhar na oficina de um cunhado e entrou para o Juvenil Flor de Prata F.C. como reserva do time, mas foi expulso por falta de pagamento das mensalidades. Daí para a frente, uma série de amores , sovas e acontecimentos corriqueiros: quase morreu afogado no rio Tietê. No dia em que Tina, a namorado de um amigo, casou à força, na polícia, com um chofer de praça, Aristodemo fez 20 anos.

Brigou com o cunhado, arrumou emprego como cobrador na linha Praça do Patriarca-Lapa, na Companhia Autoviação Gabrielle D'Annunzio. Para isso, usava farda amarela e polainas vermelhas.

E arranjou uma pequena. Ela vinha à janela para vê-lo passar e o motorista, o Evaristo, por camaradagem tocava a buzina quando passava pela casa da pequena.

Mas teve que se afastar dela quando foi convocado para o serviço militar do Tiro-de-guerra. O sargento cearense, Aristóteles Camarão de Medeiros, dava as ordens e "quando falava em honra da farda, deveres do soldado e grandeza da Pátria arrebatava qualquer um.

Aristodemo só de ouvi-lo ficou brasileiro jacobino. Aristóteles escolheu-o para seu ajudante ­de-ordens. Uma espécie de.

- José conhece o hino nacional, criatura?

- Puxa, se conheço, seu sargento!

- Então você não esquece, não? Traz amanhã umas cópias dele para o pessoal ensaiar para o Sete de Setembro? Abom."

Aristodemo pediu folga no serviço, ensaio com aquele bando de soldados semi-analfabetos, que erravam o tempo todo. De repente, com a presença do sargento e tudo, houve um tumulto grande: era Aristodemo que brigava a socos com o alemãozinho que tinha debochado do hino. Confessou depois ao sargento que batera na cara do alemãozinho e que xingara demais a mãe dele.

Resultado: o alemãozinho foi desligado das fileiras do Exército, Aristodemo suspenso por um dia. Além do que, por conselho do sargento, ainda mudou de agência de ônibus: foi trabalhar na Rui Barbosa...

Comentário: É comum nas narrativas de Alcântara Machado a incorporação de gêneros não literários como o cartão de propaganda, o bilhete ou carta. Nesse conto, ele insere a "ordem do dia", absolutamente integrada como sempre faz também com os outros casos. A ficção de Alcântara Machado, com tais inserções, não só incorpora técnicas das vanguardas européias, como objetiva fazer o registro do viver urbano paulista no início do século XX.

Amor e sangue - A alma de Nicolino estava negra, embora o céu estivesse azul, todo azul. A impressão que teve foi de que a rua é que andava, não ele.

Veja como Alcântara Machado produz momentos extremamente poéticos na prosa: "As bananas na porta da Quitanda Trípoli italiana eram de ouro por causa do sol." Por que será que a alma dele andava negra assim?

Narrativa em terceira pessoa, Amor e sangue conta a história de Nicolino Fior D'Amore , insatisfeito , infeliz. Adora futebol, é bom jogador, mas a Grazia tira dele o juízo: "A desgraçada já havia passado."

Nicolino trabalha no "Ao barbeiro Submarino", ouve as conversas naquele dia, mas nada diz. Comentam muito sobre o crime do dia anterior: um rapaz havia matado uma moça por ciúmes, privação dos sentidos... Nicolino nem escutava mais.

O ciúme corroia-o por dentro. Quando a fábrica apitou, foi ao encontro dela, jurando que se mataria se ela não falasse mais com ele:

"- Não faça mais assim pra mim, Grazia. Deixa que eu vá com você. Estou ficando louco, Grazia. Escuta. Olha, Grazia! Grazia! Se você não falar mais comigo eu me mato mesmo. Escuta. Fala alguma coisa, por favor."

Mas ela não quis falar mesmo com ele.

Na saída da fábrica, Nicolino resolveu se vingar, apunhalou Grazia. E, quando foi preso, declarou:

"Eu matei porque estava louco, seu delegado!

Todos os jornais registraram essa frase que foi dita chorando.

Eu estava louco,

Seu delegado!

Matei por isso, BIS

Sou um esgraçado!

O estribilho do Assassino por Amor (Canção da atualidade para ser cantada com a música do "Fubá", letra de Spartaco Novais Panini) causou furor na zona."

Comentário: Pela forma como a narrativa está estruturada, embora o narrador não diga, deixando em aberto, é fácil o leitor perceber que o ato da personagem foi sugerido pela notícia de jornal comentada por Temístocles.

A Sociedade - A esposa do conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda não tolera sequer imaginar que a filha Teresa Rita venha a se casar com um “filho carcamano”

Mesmo assim, o rapaz, Adriano Melli, ronda a sua janela, passa buzinando no seu Lancia e cumprimentando com seu chapéu Borsalino. A mãe, atenta, manda-a entrar.

Os pais não puderam ir ao baile graças a um furúnculo no pescoço do conselheiro e com isso Teresa e Adriano conseguem se ver. Neste encontro, o jovem anuncia seu pai quer fazer negócio com o pai da moça.

A mãe, precavida, já deixa avisado: “Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão de Teresa para o filho você aponde o olho da rua para ele, compreendeu?”

Mas o negócio era outro. O senhor Salvatore Melli vinha propor sociedade em um negócio no qual o conselheiro entrava com uns terrenos e ele com o capital. No meio da conversa, Salvatore avisa que seu filho será o gerente da sociedade.

Consultando a mulher, o conselheiro obteve a seguinte resposta: “Faça como quiser, Bonifácio...”. E ele resolveu aceitar.

Seis meses depois vem a outra proposta: o casamento dos filhos.

No chá de noivado, o senhor Melli recordou na frente de todos o tempo que vendia cebolas, batatas, Olio di Lucca e bacalhau para a mãe de Teresa quase sempre fiado e até sem caderneta.

Comentário: É importantíssimo observar, nesse conto, como o autor fragmenta o discurso em pedaços ao modo de azulejos que formam um mosaico. Veja na descrição do baile, a canção do negro da orquestra é recortada e, entre seus versos, são inseridos os fragmentos que descrevem cenas do salão, enquanto outros fragmentos mostram a disposição da mãe contra o namoro da filha com o filho do italiano. É louvável o modo inteligente como, no final, se justifica o título em duas possíveis interpretações: denotativa, com o paulista unindo-se ao italiano para o negócio do terreno; conotativa, com o casamento dos filhos, associando-se assim o paulista de tradição e o imigrante.

Lisetta - Assim que entrou no bonde com sua mãe, Lisetta viu logo o urso de pelúcia no colo da menina de pulseira de ouro e meias de seda. Quando a menina rica percebeu o encanto de Lisetta passou a exibir-se com o urso, deixando Lisetta ainda mais deslumbrada. Dora Mariana, a mãe, pedia à menina que ficasse quieta, mas Lisetta agora queria pegar o urso um pouquinho. A mãe da menina rica olhou, com ar de superioridade, fez um carinho no bichinho e se olhou no espelho. E o escândalo continuava.

Quando a família rica desceu, a mãe, já em frente ao seu palacete estilo empreiteiro português, voltou-se e agitou o bichinho no ar, provocando a menina.

Já em casa, Lisetta levou uma surra histórica. A mãe só parou quando Hugo, irmão da menina, chegou da oficina e a defendeu.

Mais tarde, Hugo deu à Lisetta um urso “pequerruncho e de lata”. Pasqualino, outro irmão, logo quis pegá-lo. Mas Lisetta correu para o quarto e “fechou-se por dentro”.

Comentário: Cinetograficamente, logo na primeira frase do conto, o narrador revela a condição social por um close em partes que revelam o todo: a pulseira de ouro e as meias de seda são índices da condição econômica superior da menina do urso. Nome de lojas e de produtos fazem parte da linguagem de Alcântara Machado, mas, ao mesmo tempo, tornam a obra datada demais e de leitura difícil aos leitores de hoje. Apesar do autor ter avisado no "artigo de fundo" que não aprofundaria nada, que não tomaria posição política, não podemos deixar de perceber que, tanto aqui como em outros contos, ele se contradiz ao focalizar com destaque a criança marginalizada pelo adulto, pela cidade e pela condição econômica, sendo levada ao sofrimento e à desilusão muito cedo.

Corinthians (2) x Palestra (1) - A partida estava vibrante no estádio do Parque Antártica. Miquelina, ao lado de sua amiga Iolanda não consegue se conformar quando o Corinthians faz o gol.

Sua esperança para garantir o Palestra agora era o Rocco. Gostava dele. Antes namorava o Biagio, jogador do  Corinthians. Quando terminou o namoro, ela parou de freqüentar os bailes dominicais da Sociedade Beneficente e Recreativa do Bexiga, onde todo mundo sabia da história deles. “E passou a torcer para o Palestra. E começou a namorar o Rocco.”

Matias, jogado do Palestra, empata o jogo. Miquelina delira.

No intervalo, Miquelina manda pelo irmão um recado ao Rocco, dizendo para que ele “quebrasse” o Biagio. Quando Biagio estava parar marcar um gol, Rocco o derruba dentro da área: o juiz marca pênalti. O próprio Biagio bate e faz mais um gol para o  Corinthians. O jogo acaba.

Na saída, Miquelina “murchou dentro de sua tristeza”, “nem sentia os empurrões”, “não sentia nada”, “não vivia”.

No bonde, de volta para casa, corintianos faziam a festa. Um torcedor do Palestra reclama que a culpa foi “daquela besta do Rocco”.

Mais tarde Iolanda se surpreende quando Miquelina resolve acompanhá-la ao baile da Sociedade.

Comentário: O narrador procura destacar o objeto da narração e não a si mesmo (como costumam fazer os narradores criados por Machado de Assis), vai descrevendo e narrando uma partida de futebol a que assiste Miquelina. Ela torce pelo Palestra. Mas, antes, namorara o Bagio, do Corinthians. Rompeu com ele, porém, e passou a namorar o Rocco e a torcer para o Palestra.

Nota biográfica do novo deputado - O coronel J. Peixoto de Faria fica desnorteado quando recebe a carta do administrador da fazenda Santa Inácia dizendo, entre outras coisas, que o seu compadre, João Intaliano, morreu. O órfão e afilhado do coronel, Gennarinho, ficou na casa do administrador, que agora pede uma orientação. O coronel Juca e Dona Nequinha, sua esposa, deixam para responder a carta no dia seguinte.

Gennarinho, nove anos, é trazido pelo filho mais velho do administrador. Vem “com o nariz escorrendo. Todo chibante.” Logo Gennarinho já é tratado com um filho pelo casal.

Um dia, o coronel decide traduzir o nome do menino. “Gennarinho não é nome de gente”. E passou a chamá-lo de Januário.

Discutindo sobre o futuro do garoto, os pais adotivos resolvem colocá-lo num colégio de padres. No primeiro dia de aula, o coronel, todo comovido, acompanha Januário e o apresenta ao reitor. D. Estanislau pergunta seu nome. O menino responde dizendo apenas o primeiro nome. O reitor insiste: Januário de quê? O menino responde, com os olhos fixos no coronel: Januário Peixoto de Faria.

Seguindo para São Paulo, o coronel já pensa em fazer testamento.

Comentário: Mais uma vez temos o italiano sendo assimilado pela família paulista tradicional. O menino, que parecia destinado a uma vida pobre e triste, ao ter a desgraça de ficar órfão, como que decidiu seu futuro ao captar a simpatia de seu padrinho, que o adota e destina seu amor e seus bens. O menino do relato é o deputado do título. É como se o conto fosse o esboço para a biografia de um homem recentemente eleito para deputado.

O monstro de rodas - As pessoas da sala discutiam as providências a serem tomadas para o enterro de uma criança. Dona Nunzia, a mãe, chorava desesperada até que foi levada para dentro pelo marido e pelo irmão. Uma negra rezava.

Na sala de jantar, alguns homens discutiam sobre qual seria a repercussão no Fanfulla, jornal da comunidade italiana. Pepino acha que a notícia irá atacar o “almofadinha”. Tibúrcio, porém, sabe que “filho de rico manda nesta terra que nem a Light. Pode matar sem medo.”

Durante o cortejo, outros interesses aparecem: o bate-papo dos rapazes (“A gente vai contando os trouxas que tiram o chapéu até a gente chegar no Araçá. Mais de cinqüenta você ganha. Menos, eu.”), a vaidade das mulheres (“Deixa eu carregar agora, Josefina?” “Puxa, que fiteira! Só porque a gente está chegando na Avenida Angélica. Que mania de se mostrar que você tem!”), politicagens (“Tibúrcio já havia arranjado três votos para as próximas eleições municipais”)...

Na volta para casa, Aída encontra dona Nunzia olhando a foto da menina morta publicada na Gazeta. O pai tinha ido conversar com o advogado.

Comentário: Perfeita crônica do comportamento popular, registro vivo e dinâmico de um enterro, que simultaneamente é um retrato crítico dos adultos indiferentes à desgraça da criança.

Armazém Progresso de São Paulo - O armazém do Natale era famoso por um anúncio em que dizia ter artigos de todas as qualidades. “Dá-se um conto de réis a quem provar o contrário”. Zezinho, o filho do doutor da esquina, sempre bulia com seu Natale, pedindo, por exemplo, “pneumáticos balão”. Quando o malandro cobrava seu um conto de réis, Natale respondia: “Você não vê, Zezinho, que isso é só para tapear trouxas?”. E anotava na conta do pai os cigarros que o rapaz pedia com nome de outros.

Em frente ao armazém, a confeitaria Paiva Couceiro não agüentaria por muito mais tempo. E seu Natale, que tinha prazer em observar aquele espetáculo de decadência dia após dia, já havia calculado quanto ofereceria ao português no leilão da falência. Por hora, ele fazia a sua parte: pressionava o homem com uma dívida com ele, uma letra que estava para vencer.

Dona Bianca o chama. Ouvira numa conversa do José Espiridão, o mulato da Comissão do Abastecimento, que a crise viria e os preços, inclusive o da cebola, produto encalhado na confeitaria, disparariam. Se não desse um jeito no português agora, nunca mais. Depois de confirmar o assunto com o mulato e pedir sua colaboração ficando quieto, seu Natale consegue “arranjar” o negócio. À noite, dona Bianca vai dormir se vendo no palacete mais caro da Avenida Paulista.

Nacionalidade - O barbeiro Tranquillo Zampinetti lia entusiasmado as notícias de guerra no jornal italiano Fanfulla. Chegava até a brandir a navalha como uma espada assustando os fregueses. Mas tinha um desgosto “patriótico e doméstico”: os filhos Lorenzo e Bruno não queriam falar italiano.

Depois do jantar, Tranquillo colocava a cadeira na calçada e ficava com a mulher e alguns amigos como o quitandeiro Carlino Pantaleoni, que só falava da Itália. Tranquillo ficava quieto mais depois sonhava em voltar para a pátria.

Um dia, Ferrúcio, candidato do governo a terceiro juiz de paz, veio pedir votos. Tranquillo, que nem votava, acabou sendo convencido pelo compatriota e gostou tanto que com o tempo andava até pedindo votos.

A guerra européia encontrou Tranquillo bem estabelecido, influente e envolvido na política; Lorenzo, noivo e também participando da política da região; e Bruno estudando, além de ser vice-presidente da Associação Atlética Ping-Pong. Tranquillo ainda se agitou com a guerra. Mas, com o descaso da família, logo foi se desinteressando.

O progresso de Tranquillo continuava e agora ele comentava mais as questões políticas do Brasil que as da Itália.

Quando Bruno se forma advogado pela faculdade de Direito de São Paulo, o pai chora, a mãe é trazida pelo neto, filho de Lorenzo, para vê-lo e todos se abraçam emocionados. E o primeiro serviço de Bruno foi requerer a naturalização de Tranquillo Zampinetti.


fonte: http://www.passeiweb.com/

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