sábado, 30 de julho de 2011

DÉDALO E ÍCARO - O SONHO HUMANO DE VOAR

 

Os mitos de Dédalo e Ícaro, pai e filho respectivamente, representam a evolução da arte e da arquitetura na Grécia antiga. O desejo do homem em superar as limitações físicas, através da genialidade criativa do homem, gerando os alicerces da tecnologia evolutiva, emprestando ao mortal o poder de ir e de vir com ajudas inventadas por ele, desafiando os deuses através da sua mente inventiva.

Dédalo é o artista criador, o engenheiro e o arquiteto, que é obrigado a emprestar a sua obra inventiva aos reis aos quais serve, limitando a liberdade da sua arte. É o gênio de intelecto imodesto, de vaidade inesgotável, que não suporta quando se vê ultrapassado pelo discípulo e sobrinho Talo, assassinando-o friamente por causa da inveja. Perseguido pelo crime, Dédalo inicia uma jornada peregrina, fazendo-o escravo dos reis que o acolhe. O ego inflamado e ciumento do artista aprisiona a sua arte, agora a serviço dos que se lhe protegem a alma criminosa.
Fugitivo e errante, Dédalo aporta em Creta, acolhido pelo soberano Minos. Será naquela ilha que desenvolverá, a mando do rei, a sua maior obra, o Labirinto, construído para aprisionar o Minotauro, ser monstruoso, com a cabeça de touro e corpo de homem.
Mas Dédalo será feito prisioneiro pelo rei, sendo encerrado ao lado do único filho, o ingênuo e sonhador Ícaro, no Labirinto. A obra aprisiona o artista. Mas a arte é compulsiva e latente à essência do seu criador. A arte liberta! Dédalo não se deixa aprisionar. Dentro do Labirinto, compõe a mais ousada das criações: as asas que se lhe permitem a fuga, a liberdade, o poder do homem voar como as aves e como os deuses. Dédalo chega ao limiar da sua mente criativa. Junto do filho, Ícaro, voa para o céu, fugindo da prisão do Labirinto, da submissão da sua obra às necessidades de um rei tirano.
Se Dédalo é a mente criativa, Ícaro é a liberdade sonhadora. É o homem asfixiado nas limitações da liberdade saciada. Ao se ver livre, a voar como um pássaro, a percorrer um céu ilimitado, voa, apesar das advertências do pai, cada vez mais alto, rumo ao infinito dos sonhos, aos limites do homem, às proximidades dos deuses. Voa, sem pensar jamais na queda. A sensação do vôo apaga a dor fatal da queda. E Ícaro, ao ter a cera que prende as penas das suas asas derretidas pelo calor do sol, flutua numa queda mortal, caindo nas profundezas do mar. Ícaro sofre o castigo de não obedecer aos limites do caminho ao infinito dos sonhos.
Livre, Dédalo paga o preço da procura de liberdade da sua obra, a perda do seu único filho. Dédalo e Ícaro, a personificação do espírito da arte e do seu espaço.

Ecos Históricos da Existência de Dédalo

A lenda de Dédalo e Ícaro suscita versões de que eles seriam personagens semi-históricas, ou seja, teriam existido em Atenas, na antiguidade grega, pessoas com esses nomes e com a função social de engenheiro. Dédalo, em grego significa engenhoso, hábil, criador.
Relatos do mito aponta a sua fuga para Creta e, depois do mítico vôo que o libertou do Labirinto, a ida para a Sicília. A lenda não deixa de ter um fundamento histórico, lembrando a fuga dos ferreiros de Creta, após a invasão dos helenos à ilha. Durante a fuga para a Sicília, os ferreiros cretenses teriam percorrido o mesmo caminho de Dédalo.
Abandonando as coincidências históricas que aproximam o mito de uma possível personagem da história remota grega, Dédalo tem a sua personalidade mítica fundamentada na personificação da alma da arte. Pouco se tem registrado sobre as suas origens, sendo apontado como oriundo da Ática, tendo como pais o herói Metíon e Ifínoe, sendo neto do lendário governante ateniense Erecteu. Numa segunda versão, teria como pai Eupálamo e como mãe Alcipe.
Não há registros de grandes amores vividos por Dédalo. Naucrata, uma escrava no reino de Minos, é a única mulher que se relaciona ao mito. Ela é a mãe de Ícaro, também ele filho único.
Dédalo era, essencialmente, arquiteto, escultor e artista brilhante. Artesão e engenheiro famoso, vivia voltado para a sua obra, oferecendo com as suas obras criativas, melhoras habitacionais e no trabalho dos seus contemporâneos.

Dédalo Assassina Talo

Em Atenas, Dédalo era um artesão e engenheiro famoso. Todos conheciam a sua arte. A sua fama alcançara toda a Grécia, e os mais poderosos reis queriam adquirir as suas esculturas, ou viver nos majestosos palácios e edifícios que ele desenhara e concebera a construção.
Em determinado momento, Dédalo já não conseguia atender a todos os pedidos que se lhe faziam os atenienses. Para aliviar a grande carga, o artista decidiu ter um aprendiz em sua oficina, o sobrinho Talo. Dédalo ensinou ao jovem todos os segredos das artes da cerâmica, da arquitetura e da escultura.
Aos poucos, Talo mostra-se um excelente aprendiz e um genial artista. Sua criatividade faz com que invente o torno de oleiro. Quando se deparou com o torno, Dédalo sentiu um profundo ciúme em não ter ele criado o invento.
A fertilidade criativa de Talo torna-se cada vez mais latente e produtiva. Ao ver uma serpente morta e, ao abrir a sua boca e ver-lhe os dentes agudos, ele teve a inspiração para inventar o serrote, copiando um pedaço de ferro igual o maxilar da cobra. Passado algum tempo, Talo inventava o compasso. Outros inventos vieram que facilitaram a produção das armas, tijolos e vestimentas dos atenienses.
Quanto mais Talo mostrava a sua criatividade incessante, mais Dédalo era envolto pelo vulto negro do ciúme. Cego de inveja pela fama que Talo começou a adquirir em Atenas, roubando-lhe velhos admiradores e clientes, Dédalo perdeu, aos poucos, a genialidade criativa. Sua inveja apagava-lhe qualquer inspiração.
Aos poucos, em Atenas, os trabalhos de Dédalo foram sendo preteridos pelos de Talo. Ofendido em seu ego de gênio, Dédalo decide matar o sobrinho. Após vários dias de indecisão, enche-se de coragem para executar o seu plano. Dissimulando os ciúmes e as intenções assassinas, Dédalo convidou Talo para um passeio ao templo de Atena (Minerva), onde se tinha a vista mais bonita da cidade.
Talo deixou-se conduzir pelo tio, caminhando inocentemente para o passeio fatal. Já no alto das muralhas do templo, Dédalo mostra ao sobrinho a bela visão da cidade de Atenas. Em um gesto premeditado, o mestre atira o aprendiz ao precipício. Talo cai sem vida, o sangue jorra-lhe pelo corpo. Ao encontrar a morte, o rosto de Talo apresenta-se sereno, esboçando um sorriso suave. Do alto da torre da muralha, Dédalo observa o sorriso final do mancebo.

Uma Perdiz Pousa no Areópago

Após o assassínio, Dédalo desceu da torre do templo de Atena, recolhendo o corpo sem vida de Talo, enfiando-o em um saco. Antes de deixar o local do crime, cuidou para que todos os vestígios fossem apagados, limpando as manchas do sangue vertido no chão.
Quando retornava para a oficina, Dédalo foi surpreendido por algumas pessoas, que curiosas ao vê-lo carregar um saco manchado de sangue, indagaram-lhe do que se tratava. Nervoso, o arquiteto disse ser de uma serpente que matara. Mas o nervosismo do arquiteto fez com que as pessoas desconfiassem daquela versão.
Dédalo continuou o seu caminho, sem que se apercebesse dos curiosos que, sorrateiramente, seguiam os seus passos. Em um terreno baldio, próximo à oficina onde trabalhava, o artesão abriu uma cova no chão, depositando nela o cadáver do infeliz sobrinho.
Do alto do Olimpo, Atena, a deusa da sabedoria, assiste ao enterro. Mal o assassino deixa o local, a deusa levanta Talo da cova, transformando-o em uma perdiz, que sai voando pelo céu.
Aos testemunharem tamanha atrocidade, os homens que seguiram o assassino, correm até o centro de Atenas, conclamando que a população compareça ao Areópago, o tribunal grego, para diante dos juízes, narrar o crime hediondo.
Ao registrar o crime, o tribunal iniciou uma minuciosa investigação. Os juizes visitaram o templo de Atena, à procura de prova, sem encontrar vestígios. Mensageiros do Areópago seguiram para a casa de Dédalo. Após uma longa busca, encontraram uma veste atirada ao chão, que ao ser desenrolada, mostrava algumas manchas de sangue.
Dédalo foi levado ao Areópago, sendo ali julgado e condenado à morte, apesar de negar o crime. Quando ouviu a sentença e os gritos de repulsa dos atenienses, o artista cobriu o rosto, desatando a soluçar, envergonhado diante dos patriotas. No fundo do tribunal, uma perdiz assistia ao tenso momento da condenação. Quando Dédalo foi conduzido ao cárcere, a ave sobrevoou o Areópago, pairando sobre o céu ateniense, a selar a justiça feita.

Dédalo Constrói o Labirinto

Alguns dias após a condenação, Dédalo conseguiu fugir de onde estava aprisionado à espera de ser sentenciado, rumando para o porto, conseguindo embarcar em um navio que seguia para Creta. Para trás o artista deixava a fama alcançada junto ao seu povo, substituída pelo ódio e indignação final dos que lamentaram a morte brutal de Talo.
A fama de artesão e de grande engenheiro de Dédalo tinha chegado a Creta. Quando Minos, rei da ilha, soube da presença do artista em um navio que ali aportara, recebeu-o com honras de Estado, não de condenado. Ao receber o foragido, Minos o põe sob a sua proteção, exigindo-lhe como pagamento os seus serviços e criatividade efervescente.
Dédalo passa a trabalhar incessantemente para Minos, que lhe cobra obras no palácio, estátuas talhadas para a mulher e para a filha. A liberdade criadora do artista é perdida, sendo guiada pelas necessidades do reino de Minos. A criação passa a trabalhar sob o limite dos projetos do monarca. Sua arte é prisioneira das necessidades do Estado, do que lhe é determinado.
Em Creta, o mito de Dédalo desenha a escravidão do artista e da sua arte. Sempre à deriva dos caprichos reais, o artista depara-se com um inusitado pedido da bela Pasífae, a esposa do rei. Apaixonada por um touro branco, a rainha pede-lhe para criar um engenho que lhe permita a entrega ao animal desejado. O artesão não se omite em atender tão bizarro pedido. Fabrica uma vaca de madeira, na qual Pasífae é introduzida, recebendo ali o estranho amante.
A lenda ressalta a idéia da bestialidade, comum na mitologia grega. Zeus (Júpiter) possuíra Europa na forma de um touro, e Leda na forma de um cisne, o que evidencia o bestialismo na cultura grega. Do amor incomum entre Pasífae e o touro branco nasceu o Minotauro, criatura com corpo de homem e cabeça de touro. Para esconder a vergonha da traição da mulher diante do povo cretense, Minos ordenou a Dédalo que construísse uma prisão para o monstro, um lugar de onde ele jamais pudesse sair.
Para aprisionar o Minotauro, Dédalo construiu o Labirinto de Cnossos, lugar com ruas sem saída, caminhos sinuosos, entrecruzados em um enigma sem solução. Rios escuros corriam sobre rochedos pontiagudos. No Labirinto não havia teto, sendo a abóbada celeste o seu invólucro, cada angulo côncavo correspondendo ao seu convexo.
Na lenda do Labirinto vê-se a idéia da importância harmônica entre a arte e o espaço. Historicamente, em Creta existiram dois labirintos, sendo o próprio palácio real um deles, com tantos quartos e corredores, que era impossível para um espião orientar-se dentro dele. O segundo era um desenho em mosaico feito no chão, sobre o qual eram feitos rituais de danças nas festas da primavera, em homenagem aos deuses da fecundidade. Estes rituais eram pré-helenísticos, o que associa às lendas de Dédalo e Ícaro a eles.

Dédalo e Ícaro Prisioneiros do Labirinto

Quando pronto, o Labirinto, a prisão do Minotauro, tornou-se a maior obra arquitetônica de todo o Mediterrâneo, gerando a admiração dos povos, inquietando ao mundo e aos reis que se lhe iriam admirar.
Aprisionado, o Minotauro revela-se uma grande fera, exigindo ser alimentado de carne humana. Ao saber da exigência do monstro, Minos decide usá-la como vingança aos atenienses, grandes inimigos de Creta. Atenas tinha uma grande dívida de guerra para pagar aos cretenses. Para saldá-la, Minos exigiu que Egeu, rei ateniense, enviasse sete rapazes e sete donzelas para serem devorados pelo monstro. Sem escolha, o soberano de Atenas embarcou catorze jovens rumo à ilha de Creta para serem sacrificados.
O sacrifício dos atenienses revoltou o valente Teseu, filho de Egeu. Disposto a livrar Atenas do sacrifício, que se faria constante, Teseu partiu para Creta, com o objetivo de eliminar o Minotauro. Já em terras cretenses, Teseu seduziu a bela princesa Ariadne, filha de Minos. Com a sua ajuda, penetrou no Labirinto, levando um novelo de lã, que deveria ser desenrolado desde o início das enigmáticas ruas, podendo assim, encontrar o caminho de volta seguindo o fio.
Teseu deparou-se com o monstro deitado, a dormitar. Com gestos rápidos, apunhalou o animal pelas costas. Sangrando e a uivar de dor, o Minotauro não conseguiu defender-se dos golpes desferidos pela espada de Teseu, tombando morto. Tão logo executou a fera, o herói ateniense seguiu o fio de lã da princesa, conseguindo sair do impenetrável Labirinto. A bela Ariadne esperava-o na saída. Apaixonada, a princesa fugiu com Teseu, deixando Creta para sempre.
Ao saber da fuga da filha e da morte do Minotauro, o rei Minos culpou Dédalo pelo sucedido, pois o artista se lhe garantira da impossibilidade de fuga do Labirinto. Como castigo pela falha, o rei cretense decidiu encerrar Dédalo e o filho, Ícaro, dentro do Labirinto, fazendo-os prisioneiros perpétuos.

O Vôo de Ícaro

Durante o tempo que permanecera em Creta, Dédalo aceitara o amor da bela Naucrata, escrava da corte de Minos. Com ela tivera um filho, Ícaro. Após alguns anos, o amor morno do artista pela escrava fez com que ela o deixasse, voltando-se apenas para a servidão no palácio real.
Dédalo criou o filho com o amor de um pai extremoso. Assim como fizera com Talo, ensinou ao filho todos os seus conhecimentos de arte, arquitetura e engenharia. Ícaro crescia feliz ao lado do pai, quando foi surpreendido pela decisão de Minos de aprisioná-los para sempre no Labirinto.
Ironicamente, Dédalo tornou-se prisioneiro da sua própria obra. Para não morrer de fome, alimentava a si e ao filho com as plantas que nasciam às margens dos rios que ali fizera correr as águas.
Melancolicamente, Dédalo olhava para o céu que se erguia infinito sob a sua cabeça. Era o único caminho libertário dentro do Labirinto. Então lhe surgiu a idéia de liberdade: construiria asas para que voasse até o céu. Para executar o projeto, passou a colher todas as penas que caíam do céu, quando as aves sobrevoavam o Labirinto. Ao lado de Ícaro, colheu pacientemente cada pena que caía das aves, colecionando-as conforme o tamanho. Com o tempo, juntaram uma grande quantia de penas, amarrando-as todas com fios de linho, espalhando nelas uma densa camada de cera, ligando-as com segurança.
Após um longo preparo, Dédalo terminou o seu mais audacioso projeto, quatro asas. Com tiras de couro, o artista prendeu duas delas ao corpo de Ícaro, fazendo o mesmo com as outras duas em si próprio. Com paciência, o pai ensaiou com o filho como iria utilizar as asas. Por fim, estavam prontos para o vôo da liberdade. Movidos de coragem, os dois saltaram para o infinito.
No céu, pai e filho lutam para encontrar o equilíbrio dos corpos, que tremem ao vento. Aos poucos, vão dominando o vôo, como se fossem pássaros velozes. Preocupado com o filho, Dédalo previne-lhe que voe mantendo uma altitude média, não muito baixa para não mergulhar as asas no mar, e, não muito alta para que o sol não queime as penas e derreta a cera.
O vôo corre perfeito pelos céus da Grécia. Dédalo segue na frente, a indicar o caminho para o filho. Um pouco atrás, Ícaro deixa-se deslumbrar pela beleza do céu, pela sensação infinita de liberdade, sente-se como um pássaro de vôo indomável. Seduzido pela capacidade de voar, Ícaro sobe cada vez mais alto, até que se aproxima demasiadamente do sol. Os raios, cada vez mais quentes, amolecem a cera que ligava as penas umas às outras. As asas começam a se desfazer. No meio do seu delírio sonhador, Ícaro pressente o corpo cair, precipitando-se nas profundezas do mar. Cada pena que compunha as asas do jovem é transformada em uma ilha, formando o arquipélago das Icárias.
Ao olhar para trás, Dédalo não encontra o filho. Olha para as águas do mar, podendo ainda avistar dois restantes de asas brancas que flutuam perdidas, transformando-se, aos poucos em ilhas. O filho afogara-se no sonho eterno do homem querer voar como as aves.

O Exílio Final

Dédalo sobrevoou aflito a região onde o filho caíra, procurando com desespero por seu cadáver. Horas depois, ele desceu, ao avistar o corpo sem vida de Ícaro. O infeliz pai toma o filho nos braços, caminhando entre os arbustos, procurando um lugar onde possa sepultá-lo. Por onde passa, desperta a comoção do povo da ilha.
Trazendo Ícaro nos braços, Dédalo percebe no céu, uma perdiz a pairar sobre a sua cabeça. Era Talo, o sobrinho morto, a pairar no ar, acentuando a tragédia do seu assassino, numa anunciada vingança. Dédalo amaldiçoa a perdiz.
Seguido pela multidão penalizada, o velho arquiteto finalmente sepulta o seu filho. Um dos homens que o seguira adianta-se aos outros, chegando-lhe perto, oferecendo-lhe um lugar no navio que rumaria para a ilha de Trinácria. Sem raízes que o prendam, ele aceita a oferenda.
Após muitos dias no mar, Dédalo aportou na Sicília, sendo recebido com honras por Cócalo, rei do lugar. Assim como Minos, o soberano conhecia a fama do arquiteto. Por sua hospitalidade, pediu-lhe os mais diversos trabalhos. Dédalo realiza grandes obras, que fascinam Cócalo e a população da ilha. Diante das suas criações, o povo aclama-o com emoção. Mas alma de Dédalo veste um luto perene. Nada lhe fascina a alma criadora. Já não se curva diante da sua genialidade. Já não possui a vaidade que tanto o consumira no passado. ´
No seu exílio na Trinácria, Dédalo fez bons amigos, conquistara o povo, fazendo grandes discípulos. Novamente a glória batia-lhe à porta. Mas Dédalo não se deixava ouvir os aplausos. Seguia movido pela dor latente e perene que lhe deixara a morte de Ícaro. Também a imagem do sobrinho morto junto ao templo de Atena consumia-lhe as lembranças.
Um dia Minos aportou na Trinácria, acompanhado do seu exército. O rei de Creta jamais deixou de procurar por Dédalo. Tão logo atracou com os seus guerreiros, Minos enviou uma mensagem a Cócalo, reclamando para si a entrega do arquiteto foragido.
O soberano do lugar, indignado com a presença de Minos, fingiu recebê-lo com honras diplomáticas. Convidou Minos para um banquete, para que juntos chegassem a uma solução sobre a prisão de Dédalo. Antes do banquete, o rei cretense teve um banho quente à espera. Minos despiu-se, entrando na água, deixando o corpo repousar da fatigante viagem. Um leve sono envolveu-lhe o ser. De repente as portas do quarto de banho são fechadas e água começa a esquentar até fervê-la. Quando Minos percebe o ardil, grita de dor, mas ninguém o socorre. O soberano de Creta morre sufocado pelos vapores e pelo calor da água. Cócalo finge um grande pesar pela morte acidental de Minos, entregando o corpo do malogrado rei aos seus companheiros. O navio de Minos volta para Creta, levando-lhe o corpo, para que lá seja sepultado.
Dédalo está livre do seu maior perseguidor. Mas não se comove ou esboça sentir-se vingado. Segue solitário, ensinando os seus discípulos a arte da engenharia e da arquitetura. Decorridos alguns anos, Dédalo vê a hora da sua morte chegar. Agonizando no leito do seu quarto, recebe os seus discípulos, que se lhe apertam a mão um a um. Ao fim da tarde, o genial artista tomba o rosto. Sua alma segue o infinito sem que lhe seja preciso de outras asas.
Os mitos de Dédalo e Ícaro inspiraram obras artísticas ao longo do tempo, assim como acalentaram o sonho do homem de um dia poder voar. Engenheiros, arquitetos, aviadores, muitos seguiram os princípios de que a inteligência criativa e a arte em busca da liberdade, conduziriam os homens aos vôos infinitos de um céu conquistado, o mesmo céu que deslumbrou o sonhador Ícaro.

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